O filósofo diante de uma genuína discussão

No Teeteto, de Platão, Sócrates conversa com Teodoro, geômetra discípulo de Protágoras, e Teeteto, jovem promissor. Estão em busca de descobrir o que é o conhecimento. Teeteto começa com uma proposta: o conhecimento é percepção; conhecer é perceber e perceber é conhecer. Sócrates, com mil engenhosos rodeios, vai tentando cercá-lo. Em certo ponto (167e-168b), Sócrates imagina uma possível objeção de Protágoras, já falecido, às últimas conclusões a que os três haviam chegado. O ‘Protágoras’ da imaginação de Sócrates disse coisas muito interessantes, como essa — sobre a postura ideal do filósofo diante de seus ‘opositores’:

O que entendo por injustiça nesse sentido é a conduta de uma pessoa que não tem o devido cuidado de distinguir entre uma mera controvérsia para passar o tempo e uma discussão efetiva. Na primeira, permite-se lançar mão de gracejos e tentar aplicar o logro no opositor o máximo que se pode; entretanto, numa genuína discussão é preciso conservar a seriedade e ajudar o próprio interlocutor a reerguer-se, indicando-lhe apenas os deslizes que se devem a ele próprio e a suas anteriores companhias. Se assim agires, os que contido debatem atribuirão a si próprios e não a ti a culpa de sua confusão e suas dificuldades; buscarão a ti e te terão na conta de amigo, enquanto abominarão a si mesmos e fugirão de si mesmos procurando refúgio na filosofia, para que possam escapar de seus antigos eus, tornando-se diferentes do que foram no passado. Se, contudo, agires da maneira oposta, como faz a maioria dos professores, produzirás o efeito oposto, e em lugar de transformar teus jovens companheiros em filósofos, os farás atingir a idade adulta como inimigos da filosofia. Se, portanto, acolheres a sugestão por mim feita antes, evitarás uma postura hostil e combativa e te sentarás ao nosso lado numa disposição amável.

O diálogo é composto de muitas camadas, que caracterizam o método platônico e simbolizam a realidade do conhecimento. Trata-se de leitura feita por Euclides a Terpsion de uma transcrição de uma conversa cujo relato o primeiro ouvira do próprio Sócrates. Como não a guardara de memória, foi depois, pontualmente, preenchendo os ‘buracos’ através de questionamentos dirigidos aqui e ali ao próprio relator. O diálogo que ocupa a maior parte do texto é o já mencionado, havido entre Sócrates, Teeteto e Teodoro, durante o qual outras camadas vão sendo acrescentadas. A inserção de uma possível objeção de Protágoras ao que vinha sendo discutido é um exemplo disso.

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