Uma imagem de contornos ainda imprecisos…

Uma imagem de contornos ainda imprecisos me acompanha em tudo que tenho estudado (especialmente Platão e Aristóteles, em direção a Julián Marías, Eric Voegelin e Louis Lavelle; as legendas de São Francisco de Assis e os sermões de Mestre Eckhart), fortalece a minha vontade e ilumina os tortuosos caminhos do meu plano de estudos: eu, como discípulo, diante daquele que, para mim hoje, é o modelo do filósofo. Na sala de aula improvisada no salão de festas de um prédio no Bairro Perdizes, em São Paulo, SP, durante dois anos, todo os meses, em um sábado, de Campinas, SP, eu ia assistir às aulas do prof. Luiz Gonzaga de Carvalho Neto (que por sua vez se deslocava de Curitiba, PR). A turma, com oito ou dez alunos, era do tamanho ideal: nem tão pequena que dificultasse a cobertura das despesas nem tão grande que impedisse o contato pessoal entre o professor e cada um dos alunos.

Na sua adolescência, o Luiz abandonou o ensino formal pela metade; é um estudioso sério e dedicado da filosofia, das religiões e das ciências. Quem trombar com ele na rua pode pensar que ele acabou de chegar do século XIII através de um portal mágico: acabou de se despedir de Santo Tomás de Aquino, com quem travou, com muitos bons frutos, algumas quaestiones disputatae. Lembra-me um alquimista renascentista, um sábio medieval. É paciente, cortez, generoso. A todos os alunos respondia com calma, com notável espírito de mestre. Os cinco anos que passei em Campinas se justificaram pela possibilidade de ter convivido com uma pessoa assim. A maioria das pessoas que conheço são cópias, são retalhos, são ecos longínquos de modas, de trejeitos, de atores, de filmes e de novelas. O Luiz Gonzaga, a seu modo, dedicava-se a ser uma pessoa.

Sendo ele, como é, fonte de inspiração para mim, é natural que queira saber como foi a sua formação e como seu exemplo me pode ser proveitoso. Penso muito sobre o caminho que o levou a ser quem ele é. Quando morou em São Paulo, no começo da vida adulta, passou um bom ano lendo apenas os três livros que tinha à sua disposição: As Confissões de Santo Agostinho, o Livro da Vida, de Santa Teresa de Ávila e as Enéadas de Plotino. Contrastando essa minguada pilha de livros com o tamanho da minha estante (que tem quase dois mil volumes) tiro uma importante lição: é preciso simplificar, ler apenas os livros ótimos e lê-los como se lê uma partitura de piano, atento ao som das palavras, deixando que a sua melodia ressoe na alma.

Nos intervalos, almoço na padaria. No retorno, caminhando pelas ruas daquele tradicional bairro paulistano, em que universitários da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo circulavam entorpecidos pelas chamadas e pelas provas do semestre com xerox de cadernos embaixo do braço, ouvíamos atentos ao professor, gesticulando, falar de Santo Antão, dos apetites da alma, de Júpiter, dos quatro elementos, da física aristotélica, da vida e da morte de Sócrates. No fundo de minha alma de aprendiz, eu cultivava questões de grande envergadura.

Em torno do professor, subíamos devagar as ruas, entre jornaleiros, pedestres, flanelinhas e universitários. Caminhávamos juntos; e juntos concluíamos em silêncio: é bom estar aqui.

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