Um pouco de filosofia política
Em uma aula de Filosofia Política, o prof. Olavo de Carvalho trabalhou a tese de que o fundamento de nossa obediência à autoridade estatal é o fascínio que tivemos na infância pelo rosto de nossa mãe-protetora. Isso faz algum sentido. Então, se é assim, como estamos lidando com essa questão atualmente?
Vocês se lembram de que em junho de 2013 boa parte dos brasileiros foi às ruas protestar por um país melhor. Como as passeatas se espalharam pelos quatro cantos, ficou em nós a sensação de que, finalmente, o “gigante acordou”. Ora, isso quer dizer que até então dormia em berço esplêndido. Pode ser que sim.
Mas o gigante até então adormecido não é só o povo, porque um país também se faz de governantes – uma classe de políticos que nasceu e foi educada no seio da população. Eles não são ETs e nem foram nomeados pela metrópole. É preciso dizer isso com todas as letras, porque às vezes parece que, por um hábito ancestral, ainda tentamos por tudo colocar a culpa em um ilusório governo de além-mar. Lamento informar: a culpa agora é nossa.
A culpa é nossa; e parte dessa culpa convive com uma dose de confusão. Convenhamos: nossa relação com o Estado é bem ambígua. Vejam se não tenho razão: por um lado temos extrema – e justa – desconfiança em relação aos políticos. Porém, apesar disso, nós amamos o Estado e nele depositamos boa parte de nossas esperanças de felicidade. A gente reclama do volume de impostos, mas quer que o Estado cumpra a promessa de nos dar saúde, educação, segurança pública, justiça, cultura, lazer, moradia, alimentação etc. Será que não compreendemos que a conta não fecha?
Se estamos pagando nossos impostos em dia, é claro que temos de exigir que os governantes não assaltem os cofres públicos e – mais difícil que ser honesto – que sejam eficientes na prestação dos serviços públicos. Mas essa exigência não deve ser apenas uma “manifestação” unilateral: deve ter caráter persuasivo. Escrevi tudo isso para dizer que os protestos e as passeatas (que refletem nossa habitual mania de carnaval) talvez não sejam o meio mais eficaz de lidar com as lambanças do governo. Eu posso soar um pouco antipático ao dizer isso, mas na realidade o direito de protestar é o direito de espernear. O que resta às crianças e aos escravos senão protestar contra seus pais e senhores? Alguns protestam chorando, outros quebrando a casa, outros fugindo e se aquilombando em um local distante.
A forma com que reivindicamos nossos direitos de cidadania ainda funciona dentro de uma lógica familiar – é como se ainda estivéssemos fascinados. Não é por nada que muitas pessoas têm a ideia de que o Estado existe para “cuidar” da população. Também não é por outro motivo que quando os protestos ganharam as ruas de todo o país, quando o “choro” começou a ficar insuportável, a presidente da República foi à rede nacional de televisão mostrar-se sensibilizada com a voz das ruas (como quem diz: “mamãe está aqui”).
Se o destino das nações é replicar no âmbito coletivo a estrutura familiar, eu não serei o primeiro a tentar modificá-lo. Mas, se é para reivindicar, então anotem aí o meu protesto: que pelo menos tentemos imitar uma família saudável; e que não sejamos, perante o Estado, como aquele adolescente conhecido por sua luta por um mundo melhor – luta que, no fundo, tinha origem em sua revolta contra os pais que lhe mandavam arrumar a própria cama de manhã.
(Publicado no Diário do Rio Doce, em 16.02.2016)
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