Solidão e convivência: a vida de estudos é feita dessa tensão

A maioria das pessoas acha que quer ter vida intelectual, mas não tem noção do quê devem abrir mão para nela ingressar. Para estudar de verdade, você terá de fazer escolhas. Comece, então, optando pela simplificação.

Você deve simplificar a sua vida antes de começar a estudar de verdade.

Em primeiro lugar, o seu ambiente de estudos deve ser um ambiente austero, bonito, que lhe permita entrar em sintonia com o assunto que tem em mente. A vida social também deve ser simplificada. Não é interessante que você frequente todas as festas da região. Conserve a solidão no começo, para que você possa encontrar-se a si próprio. No livrinho Imitação de Cristo há a lição de alguém que de cada encontro social voltava um pouco menos ser humano — ou seja, voltava um pouco menos ele próprio. É preciso muito treino para conservar sua individualidade nos encontros sociais. O homem médio não consegue isso e se perde no contato com um número muito grande de pessoas.

Uma vez fortalecidos através do recolhimento interior no silêncio, pode ser o momento de ir ao encontro do mundo: será o tempo de encontrar companhias compatíveis com a sua vida de estudos. Paralelamente a isso, devemos analisar nossa família, que idealmente deve ser um importante coadjuvante na vida de estudos. Sertillanges nos traz páginas belíssimas sobre a função da mulher do vida intelectual – em parte aplicáveis também em benefício da mulher que hoje se dedica aos estudos.

A amizade tem uma função importante na vida de estudos. A proximidade com pessoas que querem as mesmas coisas pode frutificar a vida do estudante. Por entre outras razões, a amizade pode ser um meio para o exercício da maiêutica, na qual surgirão novas descobertas a fertilizar a vida de estudos. É muito importante conviver com os iguais, que querem as mesmas coisas que você. Somente os mais fortes conseguem levar uma vida de estudos em um isolamento completo. Quando não for possível a convivência com pessoas que querem as mesmas coisas, não se esqueça de que você, sendo cristão, beneficia-se da comunhão dos santos. Em qualquer atividade que você desenvolva precisará de outras pessoas — isso porque você nunca é, por si só, completo. Porém, para ter boa convivência com os amigos, é preciso que você tenha cultivado o silêncio e tenha conseguido, por um bom tempo, conviver consigo mesmo.

Goethe dizia que o talento se adquire na solidão, e o caráter na agitação do mundo. Todas as grandes obras da humanidade foram preparadas no deserto, inclusive a nossa redenção por Jesus Cristo. É preciso ser devagar no falar, evitar situações de muita tagarelice. Nesse sentido, também devemos evitar a intimidade excessiva com as pessoas, porque ela pode nos confundir e dispersar. Notem que a abertura que temos em relação aos outros, hoje em dia, nas redes sociais, é muitas vezes falsa e inautêntica.

Esse relativo isolamento, necessário no começo dos estudos, não é um fim em si mesmo: é a preparação do terreno que estabelecerá as novas bases de uma vida constantemente renovada à luz do Espírito.

(Este texto é o quinto comentário — de um total de vinte — ao livro “A Vida Intelectual”, de A.-D. Sertillanges.)

Assista ao vídeo:

https://www.youtube.com/watch?v=LpU9kN3l7Hg

 

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Respostas

  1. Não tenho como expressar o quanto me identifiquei profundamente com esse texto.
    Desde a adolescência nutro uma certa simpatia pela solidão, pelo isolamento.
    Logicamente nunca consegui concretizar de forma plena – e realmente não sei se é possível – justamente por estar condicionado à convivência social, seja no trabalho, seja na escola ou universidade.

    Quando alguém chega a comentar comigo como sou uma pessoa reservada, introspectiva ou introvertida eu sinto uma satisfação por poderem identificar em mim tais características, indicando que não está sendo um comportamento forçado de minha parte (mas sim características naturais de minha personalidade).
    Talvez eu esteja exacerbando esse desejo de afastamento, de reclusão. Mas eu realmente gostaria de poder dispor de um isolamento total, absoluto. Ainda é um sentimento um pouco confuso, preciso refletir mais a respeito, entender como lidar com ele. Assim como ainda tenho muito a aprender, a estudar. Talvez eu não tenha condições de me dedicar plenamente aos estudos universais, visto que estou estudando a fim de passar em um concurso público. A questão dos estudos (assim como a do isolamento) é algo sobre a qual preciso refletir, planejar, consolidar.

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