Quem quer mudar o mundo?
Em um dos meus últimos artigos (“Direita e esquerda”), pretendendo indicar que a complexidade da vida não comportava uma posição unívoca em relação à modalidade de participação do Estado na vida social, acabei dizendo que eu era ao mesmo tempo conservador e progressista. Com isso corri o risco de ter dito muito sem, na realidade, dizer nada. Vejo, então, que preciso me explicar.
A conservação e a renovação da vida (e, portanto, das ideias e dos costumes) são duas realidades das quais não podemos escapar. A saúde de uma nação depende do equilíbrio entre essas duas funções. Por circunstâncias diversas, ocorre que em determinadas épocas a visão conservadora ou a progressista toma conta do imaginário social e passa a dominar os discursos. Com o tempo, a hegemonia de uma visão a torna onipresente. Se não há dinamismo suficiente para que ela seja renovada à luz das circunstâncias novas de cada dia, ela se torna cansativa e caricata — sinal de que chegou o tempo de sua renovação. Em quase tudo na vida é assim: se não se renova por dentro corre-se o risco de ser substituído por fora.
Quando eu estava no colégio, os livros de história diziam que o socialismo era uma maravilha: um mundo sem pobreza. O Estado é quem organizava a economia. Tudo muito lindo. Quando comecei a frequentar os sebos de Belo Horizonte e, portanto, a ter acesso a outros livros que não os indicados pelo Ministério da Educação, cheguei à conclusão: meu professor de história mentiu para mim. Lênin, Stálin, Mao Tsé Tung, Fidel Castro e Che Guevara deixaram de ser os heróis anticapitalistas e se transformaram naquilo que sempre foram: assassinos frios, homens que para implantar seu ideal muito lindo de mundo melhor mataram cerca de 100 milhões de pessoas no século XX. Buscaram implantar um mundo melhor ao preço da violência, da supressão da liberdade, do terror, da desconfiança e da corrupção.
O pensamento progressista, hoje em dia, ainda está contaminado por essa coisa de mudar o mundo. Poucas coisas são mais descabidas do que essa mania de grandeza. Sim, porque o mundo é muito grande. Se você ainda duvida da insensatez que é querer mudar o mundo, sugiro o seguinte exercício: pegue uma folha A4 branca, coloque-a em formato paisagem e trace quatro colunas: eu mesmo, minha família, meu trabalho e minha cidade. Agora, pensando especificamente em cada um dos temas, coloque cinco coisas que não estão andando bem em cada um deles. Por exemplo: eu não consigo me acertar com os horários (não encontro tempo para conviver com a família, para rezar, para descansar), eu não consigo ser paciente com as pessoas, sou maledicente, sou preguiçoso, não amo a Deus de verdade, o amor que temos em nossa família está ofuscado por muitas camadas de ressentimento e de ódio, não dou o máximo de mim no meu trabalho, odeio o meu chefe, o poder público municipal não é eficiente, as rotinas dos órgãos públicos têm a mesma lógica da década de 40, as pessoas da minha cidade não têm acesso à arte, à cultura e às ideias que formatam o mundo etc. Depois disso, procure indicar a possível origem de cada um dos problemas e, principalmente, trace um plano de ação para tentar resolvê-los. Você terá trabalho para muitos anos – talvez para uma vida inteira. E verá que a vontade de mudar o mundo é, quase sempre, um modo muito eficiente de esquecer nossos problemas mais importantes – aqueles a que, antes de tudo, somos chamados a resolver.
A mudança de si mesmo é a maior das revoluções.
(Publicado no Diário do Rio Doce, em 29.12.2015)
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