Livro do mês – Portal Travessias

OS IRMÃOS KARAMÁZOV

FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

Considerada a obra mais significativa de Dostoiévski, a história dos irmãos Karamázov começa em torno do pai, um homem devasso que é assassinado no meio da narrativa. O desenvolvimento da trama penetra na vida e nos mistérios dos três irmãos (Dimitri, Ivan e Aliócha), e coloca o leitor no centro de discussões filosóficas e morais que não perderam (e certamente nunca perderão) a atualidade. O leitor é convidado, logo no início, a acompanhar sobretudo Aliócha, e a entender por que o autor o considerava, a seu modo, um herói.

Sobre o autor do mês

Não se escreve comentário sobre Dostoiévski, escrevem-se reflexões. Ninguém mais do que ele impele à meditação. Porque Dostoiévski não é apenas um romancista: como Tolstói e em geral os grandes escritores russos, ele exprime toda uma filosofia, toda uma maneira de ser. Sua admirável presença na vida levou um de seus biógrafos a afirmar ter o escritor “vivido o seu mais comovente e edificante romance“. Foi o jogador, foi o homem subterrâneo, foi o Aliócha dos Irmãos Karamázov. Foi santo e demônio, e seu gênio penetrou profundamente todas as contradições do humano, do homem feito à imagem de Deus, e pelo diabo tentado. (Diário Crítico, de Sérgio Milliet).

Pontos de destaque da obra

Penetração psicológica

As diferenças de temperamento – e de criação – dos três (ou quatro) irmãos entre si e deles com o pai Fiódor Karamázov enriquecem a narrativa e aguçam a curiosidade do leitor. Diante da magistral capacidade descritiva de Dosvoiévski, somos chamados a enriquecer nosso imaginário convivendo, por um bom tempo, com personagens muito marcantes e, no caso de alguns deles, de impressionante força moral.

Narrador envolvente

Morador da cidadezinha onde se passa a maior parte da história, o narrador assistiu aos fatos que está registrando. Além desse ponto de vista, imerso nos fatos, somos envolvidos com o mistério da assassinato do pai Fiódor Karamázov. Todos são, de algum modo, suspeitos – inclusive os próprios filhos. A grande extensão da obra – que a princípio dificulta o acesso do leitor menos experiente – é compensada com folga pela intimidade que o narrador consegue criar entre nós e os personagens.

Conflitos familiares

Quem nunca esteve envolvido, pessoalmente, em problemas familiares bom sujeito não é. Depois de conhecer a família Compson (O Som e a Fúria, de Faulkner) e os Maias (do livro homônimo de Eça de Queirós), quase nada seria capaz de surpreender o leitor. Mas a personalidade forte dos irmãos, contrastada com o caráter libertino e inconsequente do pai, é combustível suficiente para inflamar os conflitos familiares mais interessantes, marcados pela ausência da figura da mãe e pelas luzes e sombras da personalidade do pai.

Reflexões filosóficas e morais

As ideias e as opiniões de Aliócha, que é candidato à vida religiosa, e as de seu irmão Ivan, o livre-pensador ateu, as discussões simbolizam os dois polos das discussões que acontecem ao longo da obra. Mas dizer isso é simplificar demais a complexidade dos temas e as provocações que os personagens lançam em cada capítulo para a reflexão do leitor. A leitura de um livro grande como esse demanda um bom tempo de dedicação. Os temas trazidos, da forma como são trazidos, acaba reduzindo o nosso ritmo de leitura (que é frequentemente interrompida pela perplexidade em que caímos), mas ajuda a tornar a nossa experiência mais rica e, portanto, mais enriquecedora.

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Até hoje, alguns críticos fazem tentativas desesperadas de abstrair a filosofia política e religiosa que Dostoiévski proclama em voz alta, até com gritos; por mais que admirem o romancista e o psicólogo Dostoiévski, sentem aversão invencível contra seu credo exótico. Mas não adianta. O credo e os valores literários, em Dostoiévski, são absolutamente inseparáveis. Não apreciaremos bem estes sem compreender aquele.