A internet está cheia de olavinhos

A arena dos debates intelectuais no Brasil de hoje é pelo menos um pouquinho mais interessante que há vinte anos. O principal responsável por essa mudança tem nome e RG e mora hoje na zona rural do pequeno município de Carson, na Virgínia, USA. Trata-se do prof. Olavo de Carvalho.

Em vinte anos de atividade intelectual pública, esse homem transformou, para melhor, a vida de milhares de pessoas cuja vocação dez, quinze ou vinte anos de educação institucionalizada ajudaram a esconder debaixo de experimentalismos vãos.

Por isso, meus caros, não adianta chorar nem fazer beicinho. Todas as críticas, justas ou injustas (quase sempre injustas, infundadas e, no fundo, mal-intencionadas), feitas à atividade (e à personalidade, e aos palavrões, e à família, e à escolha de domicílio, e ao tabagismo e às profissões passadas) do professor devem reconhecer esse fato: seu trabalho solitário pela formação de uma classe intelectual no país pode não ter (ainda, espera-se) atingido seus objetivos, mas movimentou muita poeira nos departamentos de ciências humanas das universidades, ergueu editoras e suscitou centenas de vocações intelectuais adormecidas. Enfim, o Brasil de hoje seria mais pobre e sem graça se não tivéssemos Olavo de Carvalho.

Um reavivamento de tamanhas proporções não acontece sem alguns efeitos colaterais. Principalmente depois que decidiu gravar também em vídeo seu programa semanal de rádio (TrueOutspeak) e, um pouco depois, participar de HangOuts (divulgando tudo isso no YouTube), o prof. Olavo de Carvalho certamente quintuplicou sua influência e ganhou fama e espaço entre centenas de milhares de pessoas que, por um motivo ou por outro, começavam a perceber, com um atraso digno de nota, no que mais de uma década de governos incompetentes foi capaz de transformar o país. Uma certa insatisfação com o (des)governo da presidente Dilma Rousseff e com tudo o que estava simbolicamente atrelado a ele e aos governos passados — principalmente um modelo de economia desgastado e um modelo de educação, pretensamente inclusivo, pior ainda — tornaram as lições do prof. Olavo muito atraentes a um círculo muito grande de pessoas.

Essa popularização rápida tornou evidente um problema de nossa alma nacional que o professor já havia tratado em algumas de suas aulas: a tendência que nós temos de macaquear as pessoas que nos parecem admiráveis e de lhe imitar os trejeitos — característica que está para o mundo sensível assim como a necessidade de parecer inteligente está para o mundo do espírito. Muitos admiradores, e até alunos, do prof. Olavo de Carvalho emulam determinadas características suas que nos parecem adequadas como instrumento de combate em uma guerra cultural na qual a maioria gostaria de ser (e se imagina capaz de ser) estrategista.

Eu não faço parte dessa sexta ou sétima geração de alunos do prof. Olavo, mas me vi exatamente assim há cerca de dois anos: macaqueando, fazendo distinção entre as pessoas a depender de seu interesse pelo cânon de escritores que me interessam e, principalmente, inflando-me de um orgulho cego ao olhar por cima do resto do mundo que não havia tido a possibilidade de conhecer e de se submeter às lições do prof. Olavo de Carvalho. Uma certa arrogância silenciosa crescia em mim — em mim, que tenho a forte tendência de me apegar às minhas próprias opiniões. Resultado: encontrei nesse discipulado a justificativa que faltava para me apegar ainda mais às minhas preciosas opiniões: afinal de contas, eu sou aluno do Olavo, ora.

Destaco duas de suas características, entre tantas que são imitáveis e imitadas: i) a capacidade (que o próprio professor relativiza, evidentemente — mas só sabe disso quem estuda de verdade com ele) de classificar autores/escritores em “recomendados” e “malditos”; e ii) a capacidade de identificar má-intenção ou negligência em ideias e em condutas de pessoas que não emitem ondas de atividade intelectual na mesma sintonia que a sua — capacidade que o professor utiliza (com acerto, creio) depois de décadas de muito estudo e de muita experimentação; ou seja, depois de poder exercer, pelo estudo, uma atividade intelectual com um espectro de amplo alcance.

Ocorre que enxertadas dentro de uma consciência assombrada pelos demônios (que descobriu semana passada que existe um negócio chamado estudar de verdade) e danificada por uma educação mal-conduzida essas características (a precoce “separação de pessoas” e o precoce julgamento de suas obras, com vistas em uma ação social concreta — real ou imaginária) ajudam a cristalizar (entendam: ajudam a “congelar” as peças de um quebra-cabeças durante seu processo de montagem), muito cedo, eu dizia, ajudam a cristalizar forças internas que a pessoa deveria idealmente trabalhar, pacientemente, em direção ao desenvolvimento de sua vida. (Ora, porra: entendam que eu aprendi isso com o prof. Olavo de Carvalho).

Em outras palavras, o “fenômeno” Olavo de Carvalho, visto e absorvido (apenas) em sua superfície, fomentou o surgimento de centenas de olavinhos que, sem ter a estatura do professor, julgam-se capazes de discernir entre o bem e o mal e, muito cedo em sua vida de estudos, capazes de matar Golias a machadadas. Só que nem todo muito é Davi. E nem todo mundo é Olavo de Carvalho.

O próprio Olavo, inclusive, já advertiu contra esse risco ao sugerir a seus alunos que adotassem o — dificílimo — voto de pobreza em matéria de opinião até que concluíssem seus estudos. Mas, todos concordam: ainda que estejam tomando leite, é mais fácil aos bravos aspirantes sair logo para o combate do mal que se identifica no outro lado da trincheira de LCD.

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Foto: Prof. Olavo de Carvalho e Josias Teófilo — que, longe de ser um olavinho, é o cineasta que prepara o esperadíssimo documentário O Jardim das Aflições (http://ojardimdasaflicoes.com.br/)

Em tempo: Se você se identificou com esse texto, não precisa sair contando para as pessoas: confesse-se, faça um ato de contrição e aproveite a oportunidade para ajudar na produção do documentário O Jardim das Aflições, que está na última etapa de arrecadações — até o final de fevereiro (2016).

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