Expedições literárias (desenvolvimento)

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Após o primeiro encontro de março (de 2012), no qual desenvolvemos o tema Como a literatura pode transformar a sua vida, lemos e comentamos nas Expedições literárias, ao longo do ano, Dom Casmurro (Machado de Assis), Dom Quixote (Miguel de Cervantes), Vidas Secas (Graciliano Ramos), O Guarani (José de Alencar) e a poesia de Carlos Drummond de Andrade.

A plateia nem sempre enchia os dedos das duas mãos, mas ela invariavelmente participava com muito interesse e notável aproveitamento. Algumas pessoas, ainda que pouco acostumadas à leitura dos grandes livros, saíam dos encontros comentando a angústia de Bentinho, o comportamento esquivo de Capitu, as loucuras de Dom Quixote, a ingenuidade interesseira de Sancho Pança, a bravura de Fabiano, o peso existencial que caía sobre sua família, o triste fim de Baleia. Plantamos sementes que oxigenarão, uma vez desenvolvidos os frutos, a vida imaginativa dos que embarcaram conosco naquela prosaica viagem.

Enquanto comentávamos Dom Casmurro, Bentinho saiu — não estou de brincadeira! — das páginas daqueles livros antigos e caminhou entre nós; nos deu a chance de percorrer com ele sua atormentada vida interior. Dom Quixote desceu do Rocinante, na vista de todos, e lançou seus paternais conselhos a Sancho – todos, atentos, ouvimos e somos capazes de repeti-los –, antes que ele assumisse o governo da Ilha Baratária. O tom sapiencial do cavaleiro ainda ecoa em nossos ouvidos, e contrastam com o discurso de renúncia que o escudeiro proferiu solenemente ao abrir mão daquela tarefa antes tão-desejada; renunciou nem tanto por considerá-la acima de sua perspicácia mas sim por constatá-la muito diversa daquela outra acalentada em seus sonhos de ser governador.

Por alguns momentos eu me lembrava do prof. José Monir Nasser, que naquela altura já estava hospitalizado, e agradecia a Deus por estar ali com aquelas pessoas — enquanto lá fora, na noite morta, junto ao poste de iluminação, os sapos engoliam mosquitos, à vista de uma procissão de sombras de todos os que passaram, os que ainda vivem e os que já morreram.

A escolha da cidade que recebeu o projeto – onde há oito anos fui promotor de justiça por um ano e meio – deu obviamente contornos novos à configuração que imaginei inicialmente. Um município do Nordeste de Minas Gerais, com 18 mil habitantes, um terço deles na zona rural, tem por si só jeito de literatura imaginativa. Naturalmente, a maior parte da cidade não tomou conhecimento daqueles encontros literários. Os que tomaram conhecimento se dividiam entre os que não entenderam qual era exatamente o seu propósito; os que entenderam mas não se interessaram; os que entenderam, se interessaram mas não encontravam, entre os afazeres usuais de um sábado à noite, tempo para ir à Escola Interação; e, finalmente, os que entenderam, se interessaram e foram aos encontros, com muito proveito.

A relativa invisibilidade das Expedições Literárias em Águas Formosas é compreensível. Em pequenos municípios brasileiros, qualquer iniciativa (principalmente se diz respeito à cultura) é custeada com dinheiro da Prefeitura Municipal. Não estou muito longe da verdade se disser que, especificamente em Águas Formosas, no imaginário da sociedade só há dois tipos de iniciativas comunitárias: as que são apoiadas pelo poder público e as que não existem. Logo, as Expedições Literárias não existem (apesar disso tenho testemunhas confiáveis que podem jurar o contrário).

Na área da literatura, esse panorama já havia sido desafiado, em parte, pela Garagem das Letras, dirigida, não por coincidência, pela própria Luzenir Gonzaga. Em geral, os movimentos culturais de lá como de diversos pontos do território nacional começam, por assim dizer, com emendas parlamentares de deputados estaduais e de vereadores. E, como vocês sabem, o poeta federal acaba sempre tirando ouro — não propriamente do nariz mas — do nosso suado dinheiro. Os deputados e vereadores entendem pouco de poesia. Aliás, de muito tempo para cá os políticos só entendem muito pouco de quase nada.

Alheios aos sapos que engoliam mosquitos, mas de alguma forma sintonizados na procissão de sombras de todos os que passaram, lá estivemos cultivando o imaginário ao longo de aproximadamente dez encontros, escrevendo a história do que poderia ter sido e foi. Na alma e com alguma verdade, realizamos o propósito a mesa de depois.

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