Amorosidade (Bispo Filho)

Navego barcaças de papel em canais de esgoto
seqüestrando damascos vermelhos e damas
para uma casa arranjada em delicadezas e luxo.
E vai o esgoto prodigalizado escorrendo na quietação
da vila com minhas luminárias apagadas.
Meu couraçado holandês é amigo de um moinho
onde outrora brincavam meninos e passarinhos disputando milhos.
Vai navegando junto com o cheiro de bofe cozido no feijão ao tijolo
porque hoje, as portas envidraçadas das estrelas estão abertas
e a minha boca está aberta como tenda árabe,
como foguete de lágrimas,
feito varal colorido de roupas e nuvens.
Meu barco é feito de um papel onde há contas matemáticas
e heresias de geografia; onde há espaços carismáticos
habitados por um céu de auroras e fome verminal.
Vai sorumbático singrando as castas de água
que se adensam no fundo.
A tinta do canal fusco no bairro
vai batendo-se ao sol, recitando declinações latinas
do Velho Mundo, dizendo adeus aos canos de PVC
de onde escorre uma estreita tira de água com arroz
e dejetos entornando vultos.
Hoje resolvi abrir minha boca abominada de sereno.
Escolhi subir e me precipitar de escarpados.
Decidi alisar as almas dos homens, das mulheres e das crianças
acompanhando um barquinho que choraminga
no luto pesado das águas.
Vai, meu barco, dissipando lupanares e botequins.
Vai, instigando obesidades, ouvindo estórias
de furtos e sequestros bestiais.
Vou seguindo teu passeio lúgubre
sonhando loureirais e mirtos,
mãos transparentes escavando imagens
a machado nesta paisagem de canal aberto,
de boca aberta, de varal aberto, de tenda aberta.
Contigo, hoje, seguirei atroando anestésicos
de taberna e cantarei todos os hinos das capelas.
Respostas