A memória da humanidade
No final da minha infância eu tive uma intuição: a narrativa da história da humanidade e a crônica de nossas vidas (as guerras, as eleições, os nascimentos, os casamentos, as mortes, os encontros, as amizades) não estarão seguras se confiadas apenas à memória de cada um de nós. As gerações de hoje não estarão mais aqui dentro de cem anos. Por isso, toda a memória da humanidade está, sempre, em permanente risco de extinção. E isso me causou um enorme espanto.
Eu não estava preocupado com o destino das pessoas que morreriam daqui a algumas décadas. Minha preocupação era com a memória. A seletividade com que eram escritos os livros de história os tornava um depósito evidentemente inapropriado para aquele tesouro. Na minha inocência, eu postulava uma espécie de Diário Oficial da Humanidade, e imaginava alguém, muito confiável, na direção dessa importante empreitada, sob a fiscalização de um Conselho de Sábios e em permanente contato com as pessoas comuns (para atualizar nesse grande livro da humanidade os acontecimentos do seu dia a dia); imaginava que o Governo Federal, a Academia Brasileira de Letras ou o Sindicato dos Professores de História pudessem estar à frente dessa atividade, movidos por caridade e por amor à causa da humanidade.
Essa ideia me atormentou por alguns meses e me dava descanso em intervalos que felizmente preservavam minha sanidade mental.
Diante da absoluta falta de indícios de que algum projeto como aquele vinha sendo patrocinado por alguma instituição, eu acabei aceitando, no final da minha adolescência, a precariedade da nossa memória coletiva e o permanente risco a que ela está sujeita pelo simples fato de existir.
Eu não fui capaz de articular racionalmente, no final da minha infância, a minha interessante descoberta. Perdido, eu buscava uma solução institucional para aquela importantíssima questão. Mal sabia que a solução já havia sido ‘encontrada’ e que aquele risco que tanto me atormentou era, na verdade, a grande sombra de um fantasma: a memória da humanidade não está ameaçada porque é na memória de Deus que ela encontra o seu verdadeiro fundamento. Porque Nele vivemos, nos movemos e existimos.
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