Concurso para o Ministério Público Federal: um testemunho
Campinas, 07 de abril de 2011. (1) (2)
Este nosso ciclo de palestras, destinado a estagiários e servidores, começou com um tema sobre o Ministério Público. E assim também terminará, hoje. Com a diferença de que daremos, agora, enfoque ao concurso de ingresso. É claro que o estágio de vocês aqui contém um convite. É como um namoro: a instituição se mostra ao estagiário, e o estagiário se mostra à instituição, visando, ambos, a uma futura relação. Há uma proposta implícita nesse relacionamento precário que é o estágio; e a proposta é justamente para que esse relacionamento se aprofunde através de um vínculo mais duradouro.
No nosso caso aqui não há, rigorosamente, a possibilidade de contratação após o estágio. Por melhor que vocês sejam aqui, vocês não poderão entrar na instituição “só” porque foram bons estagiários. Vocês terão de prestar um concurso público, difícil, para, aí sim, ingressar no MPF como procuradores – ou, se for o caso, como servidores. Então há de haver um salto maior. Mas não deixa de ser verdade que aqui vocês estão, hoje, conhecendo o MPF e, de alguma forma, tentando entender se este é o seu caminho.
É claro que existe um caminho possível entre vocês hoje e o MPF daqui a alguns anos. Esse caminho existe. E vocês devem ser capazes de visualizá-lo: ver quais são os possíveis percalços no caminho – que há pedras, é claro que há. Se a sua aprovação está, digamos, em uma montanha, é claro que vai haver tempestades, vai haver noites sombrias, vai haver situações muito difíceis pelas quais vocês terão de passar até chegar a essa meta final que é a aprovação no concurso de procurador da República. É um concurso muito difícil. E você às vezes se verá como Dante Alighieri se viu: no meio da vida, na selva tenebrosa, e perdeu a estrada. E dirá: “E aí? Para onde é que eu vou?” Isso aí é muito real!
Nesse caminho que você trilha, em relação a qualquer coisa na vida, você pode se ver perdido em selvas tenebrosas e não saber muito bem para onde ir. A minha experiência, nesse sentido, não foi diferente. Mas eu logo me achei e vocês vão entender como é que isso aconteceu na minha vida.
O que eu posso fazer por vocês é isso. Eu não posso fazer como Virgílio fez com Dante: conduzi-los pelas mãos até o final do concurso. Mas eu posso mostrar o que eu fiz, mostrar como eu fui conduzido, por quem, e como eu cheguei até aqui. Talvez vocês, ouvindo isso aqui, consigam adaptar para o caso de vocês e consigam iluminar o caminho de vocês nesse sentido.
Eu vou dizer hoje muita coisa que já se passou há oito, dez anos na minha vida. Enfim, também é um modo de prestar contas com o meu passado. Eu nunca falei sobre isso assim nesses termos; eu sempre comento uma coisa ou outra, mas eu nunca sentei para rever como foram esses três ou quatro anos da minha vida, entre 1999 e 2003. Já se passaram de oito a doze anos – a gente até assusta, porque já se passaram muitos anos, não é? Mas é uma forma também de voltar atrás e, enfim, colocar um ponto final. Eu não pretendo dar aulas de auto-ajuda, não pretendo dar aulas em cursinhos preparatórios. Pretendo realmente só mostrar como é que eu fiz isso aqui – e talvez isso ajude vocês.
O tema foi sugerido, se não me engano, pelo estagiário Rogério, não é? O Rogério sugeriu esse tema: Como passar no concurso de procurador da República. Então a ideia também é a de suprir essa carência que vocês, claro, sentem. Como é que foi isso? Eu sentia isso também! Quando eu estava prestando concurso, eu queria saber como é que aquele cara passou. E eu quase nunca tive acesso direto, para perguntar: Vem cá, como é que você passou? O que você fez? Eu quase nunca tive essa chance de perguntar para as pessoas que tinham passado.
Então eu vou contar um pouco como foi a minha vida nesse aspecto, no que importa a essa minha aprovação nos concursos públicos.
Eu sou o filho mais velho dos meus pais. Meu pai se formou em Direito, um pouco mais tarde que o normal, e é advogado; minha mãe trabalhou durante muito tempo no Tribunal de Justiça de Minas Gerais; e eu mais ou menos cresci nesse ambiente de Direito. Eu não me lembro de nenhuma fase, nenhuma época em que realmente tive que decidir fazer Direito. Eu não tive nenhum tipo de dúvida existencial. Eu de fato não sei dizer quando foi que eu decidi fazer Direito. Eu sei que chegou o terceiro ano, às vésperas do vestibular, e era isso mesmo, entendeu? Eu de fato não consigo perceber quando foi que eu decidi fazer Direito.
Ontem mesmo eu vi, com a minha esposa, o filme Hobin Hood, com o Russell Crowe, e teve uma cena que me lembrou isso. No filme ele acaba encontrando uma espada, e nela está escrito Rise and rise again, until lambs became lions, ou seja Lute, lute e levante-se, até que os cordeiros se transformem em leões. É claro que é uma frase de inspiração bíblica – embora não seja bíblica. Na Bíblia, Cristo é o Cordeiro e ele virá no fim dos tempos como o Leão de Judá. Mas o que importa é que, no filme, o Russell Crowe vê essa frase e ele não sabe ainda por quê, mas ele se sente inspirado a lutar – eu não vou contar o filme inteiro –, a entrar na luta ali, de início contra o rei, e depois a favor do rei. E ele passou o filme inspirado por aquela frase, e tentando entender o porquê. Ele não consegue entender muito bem. E lá pelas tantas, mais para o final do filme – eu posso contar porque não é o segredo do filme, esse filme não tem o segredo, mas por quem não viu eu sinto muito, eu vou contar porque faz parte da palestra! –, quando ele está já às beiras da luta, ele descobre, por um rapaz que conheceu o pai dele, que na sua própria infância ele vira essa frase pela primeira vez com o próprio pai. Então aquilo ficou ali no fundo, no inconsciente dele, e quando ele reviu aquela frase, ele não lembrava de onde era, mas serviu para que ele se inspirasse, serviu para dar forças a ele, não é? Talvez haja alguma coisa assim na minha vida, alguma relação com o meu pai de que eu ainda não consegui juntar o elo. Mas eu de fato não sei o que foi que me fez dizer: Eu vou fazer Direito, eu vou fazer isso aí. Eu sei que foi acontecendo, e eu cheguei ao vestibular e marquei Direito, não teve outra situação.
No colégio, eu nunca fui um aluno muito excepcional. Também não era muito medíocre. Sempre fui mediano. Eu me lembro que na 8ª série do ensino fundamental eu caí um pouco de nível. Eu tinha notas muito boas em Inglês, Geografia, História, Matemática, e eu caí um pouco de nível. Eu não sei o que aconteceu, eu não me lembro muito bem o que aconteceu, eu peguei recuperação em algumas matérias, mas consegui passar. Eu me lembro que eu fiquei mais mediano ainda. Passava despercebido mesmo, não era nenhum daqueles primeiros da sala, de jeito nenhum.
E isso foi importante para mim. Por quê? Porque eu nunca foi exaltado pelos colegas de sala. Tem sempre aqueles melhores da turma, não é? – Esse aí vai passar em Medicina na UFMG, Esse aí vai passar em Direito, Aquele outro é o foda, Esse aí estuda demais, Aquele lá sabe tudo de Física – eu nunca fui desses. Eu sempre estava ali – sei lá – como a média.
E eu me lembro que no vestibular – lá em Belo Horizonte, na época, havia quatro faculdades de Direito (hoje devem ter mais de dez), que eram a UFMG, a Milton Campos, a PUC e a Fumec – eu não tentei a Milton Campos; eu tentei a Federal, a PUC e a Fumec. Eu não sei por que, mas eu coloquei na cabeça que eu faria a PUC. Eu falei: Olha, eu quero passar na PUC, que era uma das particulares, e eu achava que era mais viável passar na PUC; eu achava que não era capaz de ir para a Federal. Eu não tinha essa ambição. E na minha turma também já estava certo quem ia passar e onde, o pessoal já tinha feito um mapa do território – lotearam as vagas das faculdades públicas!
E eu me lembro que eu prestei o vestibular da Federal, passei na primeira etapa, fiz um cursinho para a prova subjetiva – cursinho que foi muito importante para mim (3). E eu fui para Guarapari, a praia dos mineiros no Espírito Santo, em janeiro. Eu fiz a prova e fui para lá com o meu pai, meus irmãos, e com algumas amigas de sala. O resultado saiu em janeiro. Eu me lembro que eu passei a noite em claro, em alguma festa – não me lembro bem – e amanheci no dia seguinte para comprar o jornal Estado de Minas com a lista de quem havia passado na Federal. E estava lá o meu nome na lista de aprovados. Passei na Federal! Falei: Caramba! Fiquei maravilhado. Meu pai não entendeu nada, minhas colegas de turma ficaram muito assustadas com aquilo e eu fiquei muito feliz, lógico! Passei na Federal, não esperava! Era uma faculdade pública, a melhor de Minas e tal. E isso me serviu muito porque me ensinou a primeira lição: Descobri o meu próprio valor. Não aceitei o consenso geral a esse respeito – que abre essa listinha aí que eu distribuí antes de começar a palestra. Eu descobri na verdade que há duas realidades: há o consenso geral das pessoas a seu respeito e a há a sua realidade mesmo, aquilo que você é de verdade.
Eu acho que eu tenho uma resistência para isso; não sou tão influenciável assim pelo meio – na verdade, sou um pouco, ninguém está livre disso, não é? Tem gente que é isenta, passa de liso, nada influencia aquela pessoa para o mal – e às vezes nem para o bem.
Mas eu me lembro disso. Eu vi o meu nome na lista e olhava para aquelas pessoas que já haviam loteado as vagas na Federal e me perguntava: Cade vocês? O que aconteceu com vocês? E concluí que aquilo tudo que eu ouvia e sentia era pura ilusão! Não adianta você se exaltar antes do tempo. Isso aí é pura ilusão mesmo! A hora do vamos ver é a hora da realidade.
Isso foi muito importante para mim. De fato, eu estudei no Colégio Batista Mineiro, e das turmas daquele ano apenas três pessoas passaram em Direito na Federal. Alguns outros passaram na PUC, na Fumec e na Milton Campos.
Aquilo foi um choque positivo para mim. E eu assustei, falei: Caramba, eu sou capaz de fazer alguma coisa, não é? Eu não tinha baixa auto-estima – não se trata disso. Mas no consenso ali eu não estava no top ten. Eu estava lá no meio. Então foi importante descobrir essa capacidade de vencer os desafios. É claro que eu fiz a prova para passar. Eu não fui ali cumprir tabela. Mas eu não tinha muita esperança de passar. O meu negócio era a PUC-Minas mesmo, eu já estava com isso na cabeça. Mas acabou dando certo.
Uma coisa também interessante. Eu sou o primeiro filho, o primeiro neto, o primeiro bisneto e o primeiro sobrinho da família – quando acontece isso o pessoal cria muita expectativa em cima da gente (4). Eu não sei se algum de vocês é primeiro filho, primeiro neto, mas isso aí é muito complicado: todo mundo quer que você seja o cara da família, não é? Isso foi muito ruim para mim, eu me lembro que eu sentia muita pressão na infância. E isso, com o tempo, sumiu, desapareceu. Eu fui ficando jovem, adolescente, e tudo aquilo sumiu. Enfim, ninguém esperava nada de mim, eu era uma pessoa normal, e a vida corre para a frente, não é? E esse mecanismo criou um certo desajuste saudável entre o que eu esperava de mim e o que os outros esperavam de mim. E isso foi muito importante: eu não media os meus desafios pelo que os outros esperavam de mim – e sim eu fui colocando as minhas próprias metas. Mas a Federal foi mesmo um susto, não foi uma meta que eu me coloquei conscientemente e venci. Foi de fato meio que um atropelo.
Sobre essa situação, eu disse que eu tenho uma certa resistência ao meio. Há pessoas que não têm essa resistência. É importante que vocês saibam disso. Vocês têm que ter uma capacidade de resistir ao meio. A quem não tem muita noção de como é que isso funciona – eu também não tinha muita noção, eu tive consciência disso há pouco tempo atrás, quando eu fui fazendo a análise e percebendo a situação –, há um artigo interessante do sociólogo francês Claude-Lévi Strauss chamado O feiticeiro e sua magia, que está em um dos livros dele – Antropologia Estrutural (5). Ele fez um estudo com sociedades selvagens e analisou como uma maldição, pelo chefe da tribo, pode chegar inclusive a matar uma pessoa. Uma pessoa que é amaldiçoada pela tribo, pelo grupo – não é algo assim sobrenatural, não é magia no sentido misterioso da coisa; ele vai contando como é que a coisa funciona –, vai perdendo os laços sociais dela de tal forma que ela degenera completamente, a psique dela se degenera e ela vira um pária naquele local ali, naquela sociedade – é claro que é um ambiente fechado –, e ela acaba morrendo mesmo, ela se afasta da tribo para morrer. Tudo isso por efeito da sociedade, do grupo mesmo. A morte daquela pessoa não veio do Céu, foi efeito do grupo dela. O pajé do grupo, digamos assim, lançou a maldição, espalhou aquilo e aquilo vai virando verdade mesmo, as pessoas vão agindo de acordo com aquilo.
Então você conseguir se dissociar da opinião do meio, em alguma medida, é muito importante. Primeiro porque você pode estar sendo rebaixado de modo indevido. As pessoas podem não ver a sua própria luz, e você tende a não vê-la também. Você está com ela mas não consegue percebê-la, não tem acesso a ela. E o contrário também é verdade: você pode estar sendo exaltado de modo indevido. O colocam no trono, e na hora do vamos ver você cai, já era. Então é importante essa dissociação, em alguma medida, da opinião geral.
Você tem sempre que escutar, é claro, pois pode ter ali uma dica importante para você. Você pode se achar o cara, e às vezes você não é o cara. É bom você ouvir a opinião das pessoas; você tem que ouvir os outros para saber disso, mas não vá apenas na linha do que dizem para você; tente também ver o que você tem de potencial, não é? Eu não tenho um método para isso, mas vocês têm que olhar para dentro, se colocar nos desafios mesmo, e ir para a briga, vencer, perder e ver onde é que está a verdade. Se você ficar apenas nesses consensos sociais, você irá se ferrar. Eles são poeira mesmo, são pó, é apenas ilusão. Eles podem ter alguma pista da realidade, mas enquanto opiniões são apenas pó, não são a realidade.
Eu passei na Federal, e comecei a fazer o curso de Direito. Entrei no segundo semestre. E eu comecei o curso com o pé esquerdo. Por quê? Na Federal – eu não sei se hoje ainda é assim –, havia o Ciclo Básico. O que é isso? No primeiro semestre juntavam-se as turmas de ciências humanas – enfim, em uma mesma turma havia alunos de Direito, de Sociologia, de Ciências Políticas, de tudo que é tipo de ciências humanas –, para fazer o mesmo curso, o mesmo semestre. Tínhamos aulas de Filosofia, de Política, de Economia. É um ótimo ambiente! É bem legal mesmo! Tem gente de tudo o que é espécie lá na Fafich. E tínhamos aulas de Direito também.
E eu me lembro que cheguei na primeira aula de Direito, na aula de ICD – Introdução à Ciência do Direito, e eu já cheguei na segunda aula, e atrasado. Eu não me lembro bem como foi, mas acho que me trocaram de turma, da A para a B, e a turma B já havia tido uma aula anterior a que eu não tinha ido. E eu cheguei no meio da segunda aula e eu vi os meus colegas de sala falando grego. Eles falavam de propedêutica filosófica, de epistemologia jurídica. Eu entrei naquela sala e fiquei meio deslocado. Eu não estava entendendo nada! Eu saí daquele semestre sem entender quase nada de Direito! Eu me lembro de dois ensinamentos básicos que eu guardei da época: a Norma Fundamental, do Hans Kelsen; e me lembro de uma frase, sobre a norma jurídica, também do Kelsen, que a professora (6) repetia sempre, que dizia que eficácia é condição de validade. Eu só sei disso – aliás, hoje eu sei um pouco mais, mas eu só sabia isso na época. E foi um susto para mim. Eu era um peixe fora d´água, eu não estava entendendo nada, eram termos que não tinham muita ligação com o meu dia-a-dia, e eu fiquei um pouco perdido.
No segundo semestre, para piorar as coisas, houve uma greve na Federal, de uns três ou quatro meses. E eu ficava em casa, sem fazer muita coisa. Eu ainda não estava engajado no curso, não estava no DCE – eu nunca fui disso. Fiquei em casa, sem ter o que fazer. E eu volvei a um hábito antigo meu – dos 15 aos 20 anos eu tive bandas de música –, eu voltei a tocar com as minhas bandas.
Eu tive uma banda de cover dos Beatles (7), e outra de pop rock nacional – e eu voltei a tocar com eles. Só que essas bandas não tinham muito show na época. Era difícil arrumar show para tocar Beatles. Difícil demais! Em especial porque Beagá tem as duas melhores bandas de cover dos Beatles do Brasil, que são a Sgt. Pepper´s e a Hocus Pocus – são bandas ótimas. Inclusive eu ia muito aos shows deles (8). Então com as minhas bandas não tinha muita apresentação, era praticamente só diversão mesmo. E durante a greve eu queria alguma coisa mais animada. Então – eu vou ter que confessar aqui – eu entrei em uma banda de pagode! É triste! Eu resisti muito! Um amigo meu me convidou – se é que isso é convite que se faça a um amigo – e eu resisti muito a princípio; falei: Cara, eu sou um cara honesto, eu não vou entrar nisso aí! Mas a banda tinha shows todo final de semana, eu estava em greve na faculdade, a banda ali, todo mundo tocando, aquela coisa toda, aquela festa, muita gente bonita e tal. Eu falei: Eu vou entrar, não custa nada! Eu comecei a tocar pagode – isso é triste mas eu comecei a tocar! Mas eu conto isso por quê? Porque isso fez parte do meu aprendizado da humildade.
Nessa época eu comecei a prestar concurso de nível médio. Meu pai foi um cara muito sofrido, muito pobre. De fato ele passou um perrengue desgraçado. E nunca me deu muita facilidade na vida. Ele conseguiu ser um bom advogado e me deu boas condições – por exemplo, naquela época eu já tinha ido duas vezes para fora do país, para os Estados Unidos –, mas era um cara que tinha muita consciência de dinheiro, e começou a apertar o orçamento, e eu comecei a ver que era hora de eu ganhar o meu dinheiro. Então eu comecei a prestar concurso público.
O primeiro concurso que eu fiz foi um da BHTrans, que é o órgão de trânsito de Beagá – é como se fosse a Emdec aqui de Campinas, um órgão municipal. E eu me recordo que para esse concurso – eu nunca tinha feito concurso na vida – eu fiz matrícula em um cursinho de Beagá chamado Orvile Carneiro, para aprender gramática e algumas noções de Direito, que caíam nesse concurso. E eu sei que alguns caras da banda de pagode também fizeram esse concurso. E, na época, a coisa já inverteu: se no vestibular eu estava muito humilde, aí eu já estava arrogante. Por quê? Porque eu estava na Federal, não é? É como se fosse a USP aqui em São Paulo, entenderam? Era a melhor faculdade de Minas Gerais. E eu cheguei para fazer o concurso, que era um concurso de nível médio, ou seja, pessoas que nem faziam Direito estavam prestando o concurso também – os pagodeiros estavam lá fazendo o concurso!
Eu prestei o concurso e achei que tinha ido muito bem. Aí eu conferi o gabarito e vi que eu tinha ido muito mal. Eu fui muito mal mesmo! Eu não me lembro quantas questões tinha. Mas, digamos, em vinte questões de gramática eu acertei três. Eu olhei aquilo e falei: Não pode ser! Tem algum equívoco aqui, não é? Não pode ser! É claro que eu fiz mais de três! É lógico! Eu sou o cara!
Mas eu conferi o gabarito oficial e de fato era isso mesmo! Quando eu conferi a lista de aprovados, eu vi que tinha alguns caras, não da banda, mas que estavam ali, que eram amigos da banda, que tinham passado, que sequer faziam o curso de Direito, e que passaram no concurso – sei lá, talvez porque tinham mais tempo de estudo e tal. E aquilo foi um choque negativo, vocês percebem, não é? Eu fui humilhado ali. Eu falei: Caramba, eu não sei nada de gramática! Eu não sei nada, nada, nada! Um absurdo isso! Que fracasso completo! Aí eu assimilei a segunda lição: Com humildade, aceitei as minhas deficiências e trabalhei sobre elas. Eu vi que eu não sabia nada de português, de gramática, tinha uma noção muito precária mesmo. E eu resolvi estudar gramática. Mas não foi fácil. Eu prestei outros concursos ainda, de nível médio. Eu prestei para o TRE-MG e para o TCE-MG, no mesmo esquema: caía gramática e noções de Direito. Para esses dois concursos eu também fiz cursinho e, no TRE-MG, tomei ferro, e, no TCE-MG, tomei ferro de novo. Não consegui aprender gramática.
E aí saiu um outro concurso, que era para Oficial do Ministério Público de Minas Gerais, um cargo de segundo grau também. Nessa época eu já fazia estágio – depois eu voltarei a falar sobre os estágios – e prestei esse concurso, que tinha dezoito vagas. Eu me lembro que o sócio do meu pai – nessa época eu saía da faculdade ao final da manhã e ia ao escritório do meu pai, almoçar com ele; ele não morava em casa e eu estava próximo dele na hora do almoço. Foi muito bom nessa época, eu estava mais próximo dele e a gente conversava muito –, o sócio dele, como eu ia dizendo, muito cético, muito sarcástico, olhou aquilo e falou: Concurso, dezoito vagas, Ministério Público? Rapaz, desiste! Uma vaga é para a filha do procurador de justiça, a outra vaga é para a amante dele, a outra para a outra filha, a outra para a mulher… Você não tem chance nisso aí! Pode esquecer! Concurso público é difícil, você não vai conseguir passar nisso aí! Dezoito vagas é muito pouco!Eu olhava para aquele cara e dizia para mim mesmo: Caramba! O mundo só nos joga para baixo! O cara só quer me desanimar!
Naquela época eu descobri que eu não ia aprender nada em cursinhos. Eu fiz três cursinhos para aprender gramática e não aprendi quase nada. Mas também eu era muito desatento, não é? Eu falei: Eu vou ter que aprender sozinho. Vou ter que pegar as provas antigas e vou ter que aprender. O que eu fiz? Eu comprei três gramáticas, que eu vi que eram as mais legais: a do Domingos Paschoal Cegalla, uma azul do Hildebrando A. de André e uma do Pasquale com o Ulisses Infante. Eu comprei as três e as li mesmo. Ali eu estava empenhado; ali eu comecei a me empenhar de verdade nos estudos – porque eu queria passar no concurso. Eu tinha uma certa pressão em casa, eu estava gastando o dinheiro do meu pai, e ele falando: Espera aí, não é assim! Eu falei: Eu vou ter que ganhar dinheiro.
E eu comecei a ler e li muita gramática, li muito mesmo, fiz centenas de exercícios de gramática. E eu de fato estava pronto para o concurso, que tinha – não me lembro bem – quarenta ou cinquenta questões de gramática, e eu errei apenas quatro; quase fechei a prova mesmo. Mas eu não passei entre as dezoito vagas. Passei na 21ª vaga. Me chamaram poucas semanas depois. Eu fui chamado e entrei nesse cargo no qual eu fiquei por dois anos e meio. Foi um cargo que me foi muito importante durante o curso – quando entrei nele eu estava no 5º período da faculdade. Mas eu já volto a esse cargo, que foi o meu primeiro emprego, para contar como foi.
Eu fiz quatro estágios. O meu primeiro estágio eu fiz na 6ª Vara Cível de Contagem – um município próximo de Beagá –, com o juiz de direito Estevão Lucchesi de Carvalho, que foi colega de faculdade do meu pai. Era um estágio voluntário, a princípio, mas ele quis me pagar do bolso dele um salário mínimo, que estava em R$120,00 – dava para comprar alguns livros e pagar a passagem até Contagem. Eu pegava o 1116 na Avenida Olegário Maciel, no centro de Beagá, gastava quase uma hora até Contagem e voltava à tarde. Era uma função muito interessante! Eu digitava as atas de audiência para o juiz e fazia relatórios de sentença. E – aliás, engraçado – eu já ficava à direita do juiz – o juiz aqui, as partes ali na frente. Eu fiquei ali uns seis meses e isso foi muito bom para mim, porque foi ali que eu decidi de fato o que eu queria ser na vida: eu olhava para o juiz e achava um cara normal, eu olhava para o advogado e achava um cara normal, mas quando eu olhava para o promotor de justiça, que estava à esquerda, eu falava: É esse cara que eu vou ser! Eu não sei o que era! Era uma vara cível e de família, onde o promotor quase não faz nada, só dá parecer. Mas eu olhava para ele e falava: É essa cara aí que eu vou ser! Eu olhava e ficava extasiado com o negócio. Vocação é isso: você vê o negócio e fala: É isso! – tem uma ressonância mesmo. Eu fiquei ali seis meses. E esse promotor de justiça, chamado Wagner Lúcio Teixeira Leão, nem sabe que foi ele quem me inspirou. Ele nem sabe disso, mas foi ele que me inspirou, quando eu o via naquela função – ele na verdade foi usado para isso, ele foi usado por Deus como instrumento dessa minha inspiração, não é? Daquele ponto em diante eu falei: Eu vou ser isso aí. Eu não tinha nenhuma dúvida de que eu queria ser esse cara aí, de que eu me sentaria ali naquela cadeira mais cedo ou mais tarde.
O segundo estágio que eu fiz – eu já havia saído do primeiro – foi na Biblioteca da PGJ-MG, também voluntário (esse foi voluntário mesmo). Foi um colega de sala (9) – que já estagiava lá – quem me arrumou esse estágio; lá eu fazia contrarrazões em recursos criminais perante o Tribunal de Justiça. Foi um estágio muito interessante. Foi lá que eu descobri o concurso de Oficial do Ministério Público; foi de lá que eu fiz o concurso e passei.
Os dois estágios seguintes eu já os fiz trabalhando no Ministério Público. Eu trabalhei um bom tempo lá de 7h às 13h – eu tinha uma carga horária diária de seis horas. E à tarde eu fiz estágio – foram poucos meses, pois era muito cansativo – por três meses na DAJ (Divisão de Assistência Judiciária) da UFMG, onde eu assistia aos carentes, entrava com ações para eles. Foi uma época curta, mas eu de fato advoguei, fazia audiências com os monitores, em casos de família, causas de imóveis, brigas de vizinhos, consumidor. Foi um estágio muito bom esse da DAJ, também voluntário.
Por fim, fiz um estágio no MPF, um estágio também curto. Fiz a prova para estagiário, passei, e fiquei ali uns quatro meses – pois estava muito cansativo, não estava rendendo muito. Então eu preferi manter o meu trabalho de seis horas, que também era muito interessante, era voltado para a área jurídica, a fazer o estágio ali. Estava muito pouco produtivo, na verdade; não era como o estágio de vocês aqui hoje, pois aqui tem muito trabalho, e lá tinha muito pouco trabalho – pelo menos para mim na condição de estagiário. E eu saí. Então eu fiz esses quatro estágios.
Voltando ao meu emprego no MP: nele eu fiquei dois anos e meio, e ele foi muito importante para mim. Por quê? Porque lá eu de fato comecei a ver mais de perto os profissionais – e isso já é o tema da terceira lição: Convivi com pessoas que chegaram ao objetivo que eu buscava. Eu comecei a ver promotores de justiça que estavam atuando mesmo. E lá tinha um grande negócio, que era o seguinte: eu estava na Promotoria da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, para onde iam muitos dos promotores de justiça recém-aprovados no concurso. Eles faziam um pequeno estágio de alguns meses lá, antes de assumirem as próprias comarcas, em algum fim-do-mundo de Minas Gerais (10). Eles passavam um tempo ali. Então eu via esse pessoal recém-aprovado. Era muito interessante isso aí. O pessoal tinha acabado de passar, e eu sentia que eles tinha saído do forno mesmo. Eu via no rosto deles aquela surpresa, aquele maravilhamento, aquela coisa gostosa de acabei de passar e estou aqui fazendo o que eu quero. Era muito gostoso ver isso neles… Eu também tinha muito contato com os promotores mais experientes (11), eu os via fazendo a coisa na prática, eu via que eles tinham família, que eram pessoas normais. Eu tive muito essa noção de como é ser promotor de justiça ali mesmo.
Na Promotoria da Infância eu fazia todos os ofícios e reduzia a termo as declarações das pessoas que eram atendidas, quando era o caso. Por uma época eu inclusive cheguei a atender aos menores infratores. Se o adolescente é flagrado em algum ato infracional ele é levado à delegacia; se é no mesmo dia de manhã, ótimo; se não, ele dorme na delegacia e é levado no dia seguinte ao MP. Para quê? Para que o promotor converse com ele. Há essa conversa antes, esse diálogo, essa oitiva do adolescente infrator, para que se decida se se vai representá-lo (no caso, a denúncia se chama representação), ou se vai haver a remissão, que é um perdão – há também essa possibilidade, de se perdoar o menor infrator. E eu fui escalado para acompanhar o promotor nessa época (12); eu fiquei alguns meses fazendo isso. E foi ali que eu vi que a coisa era séria, porque eu tinha que ter postura de promotor – eu não era promotor ainda , mas eu tinha que ter postura –, tinha que ter cara séria, tinha que dar um sermãozinho ali no cara, não é?
Era muito triste o que eu via ali todos os dias. Eu via jovens de 14, 15 anos, já no tráfico de drogas, roubando, pichando, às vezes já até matando, todos eles ali na minha frente. O promotor ao meu lado, conversando com alguns deles, e eu falando com alguns outros. É muita miséria humana! Ali de fato eu vi o que significa esse cargo, ou pelo menos o que significava naquele contexto da infância e da juventude: é uma luz que aquele adolescente ainda tem – se é que ainda há alguma salvação pelas mãos humanas ali – para ouvir alguma coisa e tentar mudar de caminho. E eu me lembro que eu ficava bastante emocionado com a situação praticamente irreversível de alguns jovens e ficava muito chocado com aquela miséria humana. Não que eu vivesse isolado do mundo; eu não fui aquele cara que viveu isolado do mundo (13), mas eu não tinha muita proximidade com aquela miséria ali – e isso foi muito importante para mim também.
Por isso é que eu falo: é bom conviver com quem passou no concurso, com quem é aquilo que você quer ser. Isso é muito interessante porque tem coisas que não tem como você explicar por palavras.
Vocês vejam que Platão disse que havia uma parte de sua filosofia – a parte mais importante – que ele nunca iria escrever, porque ele não iria conseguir explicar por meio de um texto escrito – e nem a fala mesma, por si só, era suficiente. Só a presença dele, perante os alunos dele, é que era capaz de passar esse conhecimento. Por exemplo, imaginem como é aprender marcenaria ou culinária pelos livros; e aprender marcenaria e culinária vendo alguém fazendo – vendo o marceneiro cortando a tábua, batendo os pregos, e vendo a cozinheira cozinhando o alimento. É só olhando para a coisa que você vai aprender o que é aquela atividade, como é que se faz aquilo, o que há por trás daquele ser humano fazendo aquilo. Se você fizer apenas pelos livros, você pode até aprender, mas você provavelmente não terá acesso àquela substância humana em atividade.
E foi naquele trabalho, no qual eu fiquei por dois anos e meio, que eu consegui captar isso – a essência do que é ser promotor de justiça. Eu decidir antes – mas foi ali que eu me animei muito a ser esse cara. Foi ali que eu vi que era possível ser – eu via pessoas normais, seres humanos normais que se empenharam e passaram no concurso. Eu vi os desafios que tinham ali para ser desenvolvidos e isso foi muito bom. Foi ali que eu consegui realmente imaginar o que é isso. Muitas vezes falta isso na gente: nós queremos uma coisa mas não temos a noção do que é aquela coisa. Você tem apenas o símbolo. O que é o promotor? É o cara que denuncia. Mas você não tem noção do que é um ser humano ser promotor de justiça, você não tem essa noção clara. É importante você perceber isso nas pessoas que já estão lá.
Eu me lembro também nessa época em que eu já estava estudando para concurso, eu tive acesso a
um texto, escrito pelo Damásio de Jesus, que eu encontrei pela internet, chamado Para ser juiz de direito, que me foi muito importante. É um texto curto, de umas quatro ou cinco folhas, no qual ele conta o período de faculdade dele, em Bauru; e como foram os estudos dele. E ele conta que enquanto os amigos dele, ou outras pessoas, estavam se divertindo à noite e tal, ele ficava trancado no quarto à noite lendo os tratados de Basileu Garcia, o grande penalista, enfurnado nos livros, se deliciando com as teorias e com aquela coisa toda. E ele queria ser juiz de direito. E ele colocou no porta do armário do quarto dele – não sei se com estilete –, ele escreveu lá: Serei juiz. Caramba! Eu olhei aquele negócio e falei: Que força tem esse cara! Serei juiz! Ele não falou assim: Se tudo der certo, de repente, no futuro… Ele falou: Serei juiz. Se fechou ali e estudou até ser juiz mesmo – aliás, eu não me lembro se ele chegou a ser juiz ou se foi apenas do MP, mas, enfim, ele é super bem-sucedido. E eu li aquele texto umas três ou quatro vezes e falei: Caramba! Que força incrível esse cara tem! Serei juiz e dane-se o mundo! Serei juiz e acabou! O mundo pode cair – eu serei juiz! Isso foi muito importante para mim. Eu vi ali uma força muito grande que eu tinha em mim – e eu só não tinha achado ainda. Mas ela estava dentro de mim. Eu ia ser promotor de justiça mesmo, eu ia ser esse cara.
Essa terceira sugestão da lista que vocês tem nas mãos foi o que eu fiz nesse meu emprego, com essa convivência, com a observação mesmo dos profissionais. Você não vai vencer se você não compreender o que é aquilo, se você não conseguir assimilar aquelas qualidades em você. Você já tem que ter aquilo de algum modo em você. Tem que ter coragem, perseverança, força de vontade. E vai ter que ir incorporando aos poucos, e não há forma melhor de fazer isso do que assimilar isso dos outros, não é? Isso é uma grande dádiva de Deus, os outros estão aí para nos ensinar mesmo. É uma troca muito importante com aqueles que venceram. E eu tive isso, graças a Deus, nesse meu primeiro emprego.
Eu me lembro inclusive que eu era tão a fim de passar em concurso que eu até escrevia cartas para as pessoas. Eu me lembro, por exemplo, que eu fiquei sabendo que alguém passou para juiz de direito e foi para tal cidade. E eu conhecia a pessoa por ouvir dizer, porque era amigo de um amigo, e eu mandava carta para essa pessoa e falava: Vem cá, como é que você passou? Como é que você fez? Me explica aí… Ninguém nunca respondeu, não é? Mas eu precisava saber como é que era aquilo, como é que se fazia aquele negócio. Havia alguns segredos que eu ainda não sabia e precisava saber. E foi tendo essas pessoas por perto – eu nunca perguntei: Vem cá, me ensina? – que eu comecei a observar mesmo.
Eu me lembro que eu olhava muito os livros dos promotores de justiça lá da Promotoria da Infância e da Juventude – com a permissão deles –, e via os grifos, os comentários e via: Poxa, esse cara estudou mesmo, esse cara pegou no pesado, ele fez por onde. E eu fui assimilando essas qualidades em mim. Eu já tinha um pouco disso e fui assimilando mais e mais.
E porque é importante você ir imaginando essas coisas? Eu me lembro inclusive que, às vezes, eu pegava algumas manifestações que eu fazia para os meus chefes – isso até hoje era segredo, mas eu vou contar para vocês aqui –, pegava algum rascunho e eu imprimia lá, e em vez de colocar o nome deles eu punha o meu nome: Bruno Costa Magalhães, promotor de justiça – e eu assinava! Eu era um mero oficial do Ministério Público mas eu assinava como promotor de justiça; e eu ficava olhando aquela folha nas minhas mãos assim e falava: Caramba, bonito pra caramba esse negócio! E eu olhava aquilo e sentia uma ressonância com o que estava dentro de mim – É isso mesmo!Bateu! A minha assinatura que vocês conhecem hoje, um pouco esquisita, veio daquela época. Eu falei: Eu tenho que assinar como um promotor…E inventei uma assinatura igual a de promotor mesmo, toda cheia de confusão e tal.
Enfim, você tem que imaginar você no cargo. Se você não consegue imaginar, meu amigo, você não vai entrar no negócio. Se é uma coisa distante, ela vai continuar distante para você. Será sempre um sonho e você não vai conseguir chegar até ele. Você tem que imaginar a situação. E é curioso, ninguém sabia desse fato até hoje, vocês são os primeiros a saber.
E por que isso? Porque nossa vontade é muito variável. Vocês sabem que vontade não é como desejo, não é? Há diferença entre desejo e vontade. Desejo é um mero querer. O desejo é muito fraco. Por quê? Porque o desejo está voltado apenas para o aspecto bom da coisa – Eu desejo um bolo de chocolate, Eu desejo ganhar dinheiro –, você só deseja a parte boa das coisas. Só que na vida as coisas vêm com todas as facetas, com os aspectos bons e com os aspectos ruins. O desejo é fraco por isso: porque ele só deseja o que é bom, o que é agradável. E aqui, nesta Terra aqui, em tudo há um misto de coisas boas e de coisas ruins, na mesma situação – não tem jeito. A vontade só é forte quando você abrange também o sacrifício, abrange também o lado ruim das coisas. Porque tudo tem um lado ruim, tudo tem um sacrifício, não tem jeito.
A vontade é forte por isso: ela deseja também o caminho, ela deseja caminhar, tropeçar; a vontade aspira a tudo isso; ela aspira ao lado ruim também da carreira – porque existe o lado ruim da carreira, a gente sofre muito também, há sofrimento, há desafios, tem dia em que você fica muito frustrado. A vontade abrange isso também, e por isso ela é forte: ela abrange tudo. Ela já compreendeu o objeto, ela entendeu o que você quer e vai fundo. Com a vontade firme você se trabalha por completo: aquele aspecto seu que quer a coisa boa e aquele que a princípio não queria a coisa ruim – queria fugir dela – estão no mesmo diapasão, estão na mesma toada, você está completo na direção do objeto.
Por isso é interessante você ter uma vontade firme, conhecer o lado ruim e querer também ele – claro, querer que ele seja o menos ruim possível, mas também querer o lado ruim da carreira, querer o desafio, querer perder noites de sono, querer se ferrar mesmo. É estudar demais – isso faz parte também.
Há um poema interessante do Carlos Drummond de Andrade, chamado A máquina do mundo, no qual ele fala um pouco disso aí. Ele fala de um ser humano que sempre desejou as coisas, mas quando chega a hora ele não consegue dar o passo seguinte, ele não consegue abraçar a coisa.
É um poema que começa com ele caminhando em uma estrada de Minas, no fim da tarde. Segundo o poema deixa transparecer, ele sempre foi desejoso de conhecimento, ele sempre quis saber os mistérios do mundo, ele sempre quis saber como é que funcionam as coisas, sempre quis ter acesso a esse mistério do mundo. E ele está lá, caminhando na estrada de Minas, e aparece a máquina do mundo – que é o símbolo disso tudo para ele; ela simboliza e mostra para ele naquele momento, num relance, tudo o que ele sempre quis, e o chama: Vem cá!. Ele fala no poema: me chamou para seu reino augusto. E nessa hora a vontade dele vacila. Ele quis tanto aquilo, mas naquela hora ele meio que vacila, não é? Nós temos isso em nós. Nós temos dentro da gente uma força que briga contra a gente. Freud dizia que nós temos o Eros e o Thanatos, o princípio do prazer e o princípio da morte. É uma luta interna. Você acha que quer uma coisa, mas há algo em você que luta contra você.
E o Drummond, nesse momento em que a máquina do mundo apareceu para ele, ele vacila mesmo, e fala – eu gosto muito desse poema e eu sei ele de cor –: e como se outro ser, não mais aquele / habitante de mim há tantos anos, / passasse a comandar minha vontade. Ou seja, ele queria tanto, mas na hora H, age nele um outro agente – é claro que era ele, não é?, mas simbolicamente é outro ser, porque ele não estava reconhecendo aquilo. Passasse a comandar minha vontade – não é ele mais que age – vontade / que, já de si volúvel, se cerrava / semelhante a essas flores reticentes / em si mesmas abertas e fechadas. Ou seja, nem para lá nem para cá – ele quer mas não quer. Como se um dom tardio já não fora apetecível. Ou seja, ele queria naquela hora lá atrás, depois ele já não estava querendo muito, não é? (…) já não fora apetecível / antes despiciendo – quer dizer, agora já não é tão importante assim.
Aí ele fala: baixei os olhos, incurioso, lasso / desdenhando colher a coisa oferta / que se abria gratuita a meu engenho. Ou seja, estava lá de graça e ele já não queria mais.
Isso é para mostrar que nossa vontade nem sempre é firme – ela quer mas não quer: a gente quer mas não quer. A gente às vezes fala que quer, mas quando abre o edital do concurso, a gente fala: Ah, não sei, não é a minha hora.
Eu já me cansei de ver isso. Muitos amigos meus querem passar no concurso, mas quando abre o edital eu digo: Cara, está aberto o concurso, vai lá, pô, eu te ajudo, eu te passo a indicação dos livros e tal. E respondem: Ah, não sei, de repente…A vontade não está firme, entendeu? Se oferecessem para a pessoa o cargo, talvez ela aceitasse, mas o concurso ela não quer fazer.
Então a vontade tem que ser forte, firme, e a imaginação conta muito para isso. A imaginação o ajuda a colocar suas forças na direção da coisa. Você está inteiro naquela direção. Não há nenhuma parte de você que está contra você, você quer tudo, quer estudar, fazer, passar, quer sofrer o negócio mesmo, e quer chegar lá e vencer. Você não quer só ganhar o dinheiro, você não quer só estar ali, com a pompa e as honras do cargo; você quer todo o trajeto, você quer tudo – isso é a vontade! O desejo é muito fraco. Então é bom ver se vocês apenas desejam o concurso ou se vocês querem – têm vontade – realmente. É isso o que está na quarta lição: Fortaleci minha vontade: certifiquei-me da minha vocação e trabalhei sobre a minha imaginação.
Muitas pessoas, com muita legitimidade, já tem família – então, por exemplo, o cara quer ser juiz de direito, mas ele já está casado e tem três filhos jovens. É difícil, não é? Imaginem que ele está lá em Minas Gerais, que é um estado muito grande. No concurso ele pode ir lá para Manga, que é um município no extremo Norte do estado. Ele vai pensar, vai olhar para a mulher dele, que já tem emprego na cidade em que eles moram, vai olhar para os filhos que já estão estudando. Tudo aquilo vai enfraquecer um pouco a vontade dele, não é? Claro! Ele tem que levar em conta aquilo. Ele não está errado em levar em conta isso, pois são fatores que são ele agora, fazem parte da vida dele. Ele não pode largar tudo. Mas, às vezes, pessoas jovens, que têm apenas uma mochila nas costas, que não têm nem um passarinho para cuidar, ficam vacilantes: Eu não sei, estou com medo, de repente, eu posso fracassar, vão saber que eu não passei… Tudo isso conta contra a gente!
Então é importante que vocês consigam algum modo de fortalecer a vontade de vocês, para ter essa vontade firme em direção a essa meta – seja qual for ela. Os desafios virão e você será forte o suficiente para sequer perceber as barreiras. Você passará pelos desafios fácil, fácil, porque a vontade está firme ali. Os vetores da sua alma estão todos em uma só direção.
Às vezes você não sabe se você quer ser juiz, promotor de justiça ou AGU. Tudo bem, mas você terá que ter alguma coisa que te force a estudar. Você não pode ficar muito vacilante entre as situações. Ah, eu não sei se eu quero ser médico, engenheiro ou juiz de direito. Pô, você vai se ferrar, porque não tem como unir as três coisas em uma só. É difícil! Você tem que ter algumas metas que o integrem em uma só unidade. E foi isso o que eu consegui fazer: eu só queria o Ministério Público.
Decidido a passar no concurso, eu comecei a ver como eu iria estudar. Eu pegava as provas antigas, os editais, os programas e vi que era muita matéria, era muita coisa! É matéria que não acaba mais! E eu comecei a comparar os programas com os manuais clássicos, que estavam na moda da época. Eu comecei a ver que havia muita afinidade entre os programas e os grandes manuais. E eu vi que nas grandes matérias, nas matérias básicas, eu iria ter que pegar os manuais e iria ter que ler tudo, de cabo a rabo mesmo.
Esse processo foi muito solitário. Eu tinha amigos na época, mas esse como-fazer, esse como-estudar, de fato fui eu quem foi descobrindo. É isso o que eu registrei na quinta lição que vocês tem nas mãos: Encontrei o meu próprio método e montei minha própria bibliografia.
Eu fui lendo, ouvindo pessoas, mas foi muito pouco o que eu absorvi dos outros. Eu fui montando o meu próprio método. Eu peguei o programa do concurso do MPMG – que era o que eu queria mesmo na época –, fui lendo os manuais e comparando com os programas.
O meu método foi um pouco exótico e deu muito trabalho – mas foi por isso que eu passei, não é? Não teve jeito. As matérias básicas: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, Direito Civil e Direito Penal, eu fui pegando os grandes manuais e fui fazendo o seguinte: por exemplo, em Constitucional, eu peguei o livro do José Afonso da Silva, que já era grande à época, em 2001-2002, e eu li ele todo. E eu grifava – mas não as palavras ou expressões mais importantes, mas sim as frases mais importantes – de modo a fazer um resumo que combinasse uma frase com a outra. Eu fiz isso aí por quê? Porque eu já imaginava que eu teria que complementar isso depois. Olha, deu muito trabalho, viu! Foram três anos.
Eu pegava esse livro, já com as frases grifadas, ditava aquilo em voz alta e gravava aquele resumo inteiro em algumas fitas cassete. E aí vocês percebem que a matéria inteira já passou duas vezes pela cabeça: uma para fazer o resumo e a outra para ler para a fita. Depois, o que eu fazia? Eu ouvia a fita e ia digitando o resumo no computador. E eu tinha ali no final um resumo de cerca de cem páginas, ou um pouco menos, do livro inteiro. Mas era um resumo muito harmônico, porque não eram apenas tópicos, eram frases que tinham uma fluência.
Na segunda etapa de uma mesma matéria, eu pegava um outro livro – no caso foi o do Alexandre de Moraes –, eu peguei o livro do Moraes, com o resumo do lado, já impresso, e eu lia o livro inteiro e complementava as opiniões do José Afonso com as opiniões do Moraes. E eu ia meio que cotejando ali, na margem da folha, o que não tinha no José Afonso da Silva.
Depois – deu muito trabalho, foi exaustivo, mas valeu a pena –, eu digitava esse complemento no resumo inicial, e na terceira fase, se fosse uma matéria importante – por exemplo, com Direito Civil eu não fiz essa terceira fase porque eram seis ou sete disciplinas (Parte Geral, Obrigações, Contratos, Direitos Reais, Família e Sucessões) –, como Direito Constitucional ou Direito Penal, por exemplo, eu fazia mais uma etapa: eu pegava temas específicos que não tinham naqueles manuais, porque eram coisas mais recentes ou específicas mesmo, e colocava ainda naquele resumo, e o complementava ainda mais. No fim eu não chegava a ler o resumo de novo; e nem era necessário, não é? Eu já tinha feito tudo aquilo.
Naquele processo de estudo eu depurei a matéria cerca de quatro ou cinco vezes. Aquilo ficou na cabeça e estava aqui na ponta da língua mesmo. Isso foi importante não só para saber a matéria, mas para ter a segurança de que eu sabia. Eu sabia o seguinte: Olha, a banca pode vir com ‘gracinha’ para cima de mim, mas eu não tenho culpa, porque eu li tudo. A banca pode inventar o que for – tem gente aí que inventa umas coisas que ninguém nunca viu; eu vou falar mais à frente das provas abertas.
Há surpresas, sim, nas provas, tem coisa de que você nunca ouviu falar. Você leu tudo mas você não sabe o que é aquilo. Mas eu sabia o seguinte: eu li mais do que quase tudo mundo, eu li muito mesmo. Não vai ter muita surpresa para mim na prova. Enfim, eu já ia para a prova seguro daquilo, eu via a matéria quatro ou cinco vezes. Por exemplo: de Direito Penal eu li uns quatro ou cinco livros; de Processo Penal eu li os quatro volumes do Tourinho Filho duas vezes, eu li o Capez, li o Pacelli duas vezes, li o Paulo Rangel – lendo e anotando, lendo e resumindo. E esse processo exaustivo chegava nesses resumos que eu fazia – que tinham, cada um, cerca de duzentas páginas. Ao todo foram milhares de páginas escritas.
Com matérias específicas eu fazia algo parecido, mas não tão complexo assim. Eu também lia e fazia uma espécie de resumo de tópicos: em Direito Ambiental, em Direito do Consumidor, eu não lia todo o livro, mas eu pegava os tópicos importantes e, principalmente, olhava as provas antigas. Um dos itens aqui fala sobre isso; é a sexta lição: Fiz o reconhecimento do território (concursos públicos em geral) e sondei o exército adversário (as provas e a banca examinadora).
Você tem que saber o que é que já caiu nas provas, qual é a tradição do concurso. Embora a prova possa mudar de feição, embora a banca possa mudar radicalmente, você tem que ter noção do que se enfrenta em um concurso, para você não ter surpresas.
Eu desconfio que grande parte dos brancos que se têm nas provas – o tão temível branco – vêm dessas surpresas que nós não esperávamos. A gente chega lá na hora da prova e tem alguma coisa assim inesperada que bate e caramba! e não-sei-o-quê e você se esquece. Quanto melhor e mais bem preparado você for para a prova, com mais conhecimento incorporado e com mais bagagem (14), tanto melhor, porque menos surpresas você terá.
E por que ler as provas antigas? Porque se você estudar sem ver as provas antigas você estará lendo para qualquer fim, menos para o concurso. Você tem que ler para aquele fim, para preencher a prova objetiva, para escrever na prova subjetiva, para fazer aquela prova. Você pode ser um erudito no Direito e não saber fazer a prova; pode saber tudo, fazer discursos jurídicos e não-sei-o-quê, e não hora da prova você não sabe fazê-la, porque você nunca viu uma prova. Você chega lá e precisará de alguns macetes que você nunca viu.
Você tem que ler as provas antigas daquele concurso e ver qual é a tradição, o que costumam fazer ali, o que costumam cobrar, o que pedem, qual é a nuance da matéria que você tem que saber mais, qual enfoque você tem que dar naquela matéria. E às vezes as provas antigas mostram muito isso – e isso é muito importante.
Eu me lembro que eu li nessa época um livro de um tal de Sun Tzu, chamado A arte da guerra, que hoje está muito famoso, mas na época não era tão famoso assim. Alguns colegas meus riam da minha cara e falavam: Mas que bobeira esse livro, um livro bobão, escrito por um guerreiro da antiguidade na China. O livro é um manual de guerra chinês, e há uma frase no livro em que ele fala: Se você quer ir para a guerra, você tem que conhecer o território e o inimigo. Não tem outro jeito. Você entrará no território, o território pode lhe ferrar, você não sabe por onde passar, e o seu inimigo pode ser mais forte que você, você não sabe qual é a fraqueza dele.
Há uma passagem nos Evangelhos (15) que fala sobre isso; é uma parábola em que Cristo fala sobre isso aí, para você olhar como é que está o seu exército. Se você estiver mal, manda alguém lá para fazer um acordo com o inimigo, senão você vai se ferrar. Você não está pronto para a briga ainda, não é? É claro que ele está falando de outra coisa, sob o aspecto espiritual, mas você pode ver também por esse aspecto prático. Esse livro me mostrou isso: eu tinha que saber qual era o território em que eu ia entrar, saber o que é um concurso público, saber quais são as fases, como é que se comporta em uma sala de prova, o que eu vou encontrar lá, como é aquele ambiente, como são as provas.
Eu nunca simulei fazer as provas em casa – sentar e fazer a prova em quatro horas –, mas eu sempre li muitas provas e sempre estava muito ambientado a elas. E mais: eu via gente que havia passado no concurso e eu sabia em qual ele havia passado e sabia que aquele cara havia feito aquela prova ali. Eu conseguia – não sei como é isso – ver uma realidade muito forte naquela situação e falava: Olha, alguém passou por isso aqui e eu vou passar também! Não é impossível!
Eu me lembro que também nessa época caiu nas minhas mãos o livro do William Douglas chamado Como passar em provas e concursos, que hoje está famoso também. Eu não o li por inteiro, mas li boa parte dele, e tem coisas muito legais ali, muito interessantes. Ele fala: Olha, faça a análise de sua família, onde você mora. A sua família pode jogar contra você, a seu favor, ou pode ser neutra. Você tem que ver onde você mora, se a sua família é, nesse ponto, sua parceira ou não. Eu me lembro que em casa, quando eu estava prestando concursos de nível médio, eu às vezes me trancava no banheiro de empregada para estudar! Era difícil! Eu tinha quatro irmãos em casa, menores do que eu – dos quais dois eram crianças na época –, brincando em casa, gritando e tal. E eu às vezes não tinha ambiente em casa para estudar, e eu me trancava no banheiro de empregada! Vejam que tragédia! Mas era necessário, não tinha jeito. Às vezes você tem que estar em silêncio para estudar. Eu não consigo concentrar com barulho. Então você tem que fazer a análise do seu ambiente, como é que você o trabalhará.
Se você tem uma namorada ou um namorado que cobra muito a presença de vocês, que não entendem o seu estudo, é difícil também. Eu não tive esse problema, graças a Deus! Os meus amigos e a minha namorada me compreendiam e estavam comigo na época no mesmo barco. Mas é difícil! Eu sei de casos em que a pessoa não consegue compreender – Pô, você vai estudar sábado à noite? Como é que é isso? Que absurdo! Então você acha mais importante o estudo que eu? Poxa, às vezes o pior é que é mesmo – às vezes é mais importante o estudo do que aquela amizade ou do que aquela namorada. Às vezes é isso mesmo. Você terá que abrir mão de algumas coisas, não tem jeito. Se for de fato amor, a pessoa terá que entendê-lo, não é? Agora, se for possessão, não tem jeito, você terá que largar. É isso mesmo!
O livro do William Douglas foi importante para mim, porque me deu dicas pontuais, de método de estudo, de horário de estudo, ver o ambiente em que você mora, onde você trabalha – e isso é muito importante.
Eu até conheci o William Douglas depois. Eu fiz algumas audiências com ele em Niterói, RJ. Ele é juiz federal lá. Eu trabalhava em Volta Redonda, RJ, fui fazer uma audiência em Niterói e falei com ele: Olha, cara, eu li o seu livro, hein! Ele disse: É mesmo? Que legal! Então conta isso aí para as pessoas… Me ajude a divulgar! Eu falei que não ele precisava, porque o livro estava vendendo muito. Ele disse: Claro que preciso! Se até a Coca-cola faz propaganda, como é que eu não vou fazer!? Divulga aí para a gente, ajude a vender! A propósito, ele é um cara muito cristão. Em toda audiência, depois dos trabalhos, ele pergunta aos réus e às testemunhas se são religiosos e, então, ele dá uma Bíblia à pessoa, e acaba conversando um pouco com alguns deles, fazendo um saudável apostolado. Todo mundo que vai lá ganha uma Bíblia dele – desde que aceite, é claro.
Então, quer dizer: eu criei o meu método, mas é claro que eu peguei dicas de outras pessoas, não é? O William Douglas é um cara que tinha dicas muito boas para dar e foi importante para mim.
Quanto à bibliografia, o pessoal pergunta muito: O que eu devo ler? Olha, eu nunca perguntei isso a ninguém! Eu fui achando o meu caminho. É claro que eu pegava as dicas – eu sentia o que estava no ar. O que você está lendo? Como é esse livro aí? Eu nunca fiz cursinhos preparatórios – e essa é a nona lição, que eu explicarei melhor mais à frente –, mas eu sabia o que estavam dizendo ali. Eu tinha amigos que faziam cursinho e com eles eu conversava, pegava dicas. Então eu fui montando a minha lista de livros, eu fui comprando os livros, fui folheando, vendo se determinado livro era ou não era completo, pegava o programa, comparava, e eu mesmo montava a minha lista de livros e os comprava com base nisso aí.
Eu não tenho como dizer hoje para vocês o que eu li porque já se passaram oito ou nove anos, e a coisa mudou muito. As minhas dicas hoje talvez não sirvam para vocês. Mas eu aconselho: vocês têm que estar antenados no que está acontecendo no mercado editorial e ver se o livro é bom para você. Às vezes é um livro fantástico, mas você não consegue digeri-lo – ele é ruim para você. Você lê e não consegue entender. Às vezes o seu gênio não bate com o do autor, não é?
Uma outra coisa: eu tive muitos amigos nessa época da faculdade – não muitos, mas dois ou três (16) – , que respiravam esse mesmo ambiente que eu – e essa é a sétima lição: Tive amigos com os quais trocava ideias. A minha impressão – eu não sei se estou certo nisso – é que as mulheres têm mais dificuldade nisso aí, de ter amizade nesse ponto. Para os homens é mais fácil, o homem senta junto e quer discutir mesmo, ele quer brigar pelo Direito, você está errado e tal. Eu tive isso e foi muito bom para mim. Eu tive bons amigos nessa época com os quais eu me sentava, discutia Direito, falava dos concursos. É importante você ter o feed back do outro, do cara que está próximo de você. Não é bom você se isolar por completo do mundo. Você terá que perder algumas coisas, mas se isolar é ruim também. E a amizade é aquilo que falava Santo Agostinho: é você querer as mesmas coisas e odiar as mesmas coisas (17). Ou seja, você está olhando na mesma direção da pessoa. A amizade, como disse Platão, leva para o alto mesmo, ela te levanta, desde que tenha essa comunhão de propósitos.
Então é bom você saber que você terá que se isolar um pouco do mundo, mas também é importante saber que é preciso ter vínculos com pessoas que tenham comunhão de interesses com você. Se é um amigo que o joga para baixo, largue-o porque isso não serve para nada. Se a pessoa fica criticando você o tempo todo, fica disputando maldosamente com você, tem inveja, se a pessoa quer outra coisa, isso não vai adiantar: ela vai tirar suas energias e vai lhe fazer mal. Então ter amizades boas, condizentes com o seu estado, é muito importante.
Uma outra coisa, que já é a oitava lição: Preenchi o meu tempo com coisas úteis e saudáveis. Não temi a solidão. Em resumo: não percam tempo! Se vocês querem esse concurso, ou um concurso difícil que seja, qualquer um que seja difícil, vocês não podem perder tempo. Perder tempo, por exemplo, com um churrasco no sábado à tarte inteira. Isso aí é impossível, não tem jeito! Eu me lembro que nesses três anos – é claro que houve altos e baixos –, houve um período crítico que eu efetivamente não tinha muita diversão pública – eu ia no máximo ao um cinema no final-de-semana, lia algum livro não-jurídico, mas em regra era só Direito mesmo. Eu trabalhava de manhã, de 7h às 13h, quando fiz estágio era geralmente de 14h às 18h, e ia para a faculdade à noite, de 19h às 22h. E estudava nos buracos entre uma atividade e outra, no ônibus, em casa à noite, no estágio.
Eu me lembro que fiz estágio no MPF e, nos quatro meses, eu li os dois livros inteiros de Direito Penal – Parte Especial do Mirabete, no estágio. Tinha pouco trabalho – eu não enrolava no estágio, não era isso, mas tinha pouco trabalho mesmo. A minha dupla no estágio, o Marcus Vinícius – o Marquito é hoje baterista e está na AGU – lia Guerra e paz, do Tolstói. Ele ficava lá e eu acho que ele fez bem – é um bom livro também. Mas, enfim, a gente tinha esse tempo livre no estágio. E no trabalho também, eu fazia o meu trabalho e no tempo livre eu estudava. Não tinha jeito, era o tempo que sobrava. O estágio estava muito cansativo e eu acabei saindo dele. Então eu tinha a tarde livre para estudar.
Foram três anos de muito estudo. A todo momento eu estudava mesmo. Não tinha hora livre. Às vezes até no domingo. Eu tinha namorada, claro, estava com ela muitas vezes, mas diversões, baladas, isso aí ficou muito para depois. Se o convite fosse para ir a um bar para falar sobre Direito eu até iria, mas se fosse para conversar sobre outros assuntos eu não estava disponível – eu estava ali direcionado mesmo para o concurso.
Eu estava tão aclimatado com os estudos pro concurso que, algumas vezes, quando eu já estava na cama para dormir – naquela hora em que você ainda não dormiu mas também já não está totalmente acordado –, eu ficava pensando em algum assunto que eu tinha visto naquele dia. E me dava um certo desespero de não saber qual era a posição de tal ou qual doutrinador a respeito! É claro que nessas horas em tinha de levantar da cama e ir procurar nos livros algum alívio para aquela situação. Só depois de ler sobre o tema é que eu conseguia cair no sono… Eu não ia conseguir esperar o dia seguinte!
E aí aconteceu o seguinte: eu me formei na Federal, mas antes de me formar abriu concurso para a AGU, que foi o concurso de 2001-2002, e eu fiz esse concurso antes de formar. E – caramba! – eu passei nesse concurso antes de me formar mesmo. E eu fiquei na seguinte situação: a posse estava marcada para o mês de agosto de 2002. E houve uma segunda greve durante o meu curso, na Federal. Então, a minha turma se formaria em outubro de 2002 e a posse na AGU seria em julho ou agosto – não estava muito certa a data ainda. E eu estava sem o diploma, eu estava em pleno 10º período, e fiquei desesperado. Caramba! Se não fosse a greve estaria tudo certo. O que eu fiz? Eu tinha oito disciplinas naquele período e eu teria que cumpri-las em tempo record. Eu falei com todos os professores, muitos deles foram muito solícitos comigo (18). Eu fiz muitos trabalhos adiantados, fiz algumas provas adiantadas e consegui me formar a tempo. Um dos professores, muito sistemático, me segurou até os últimos dias. Ele falou que poderia, sim, me passar alguns trabalhos adiantados. Mas chegou nos últimos dias, nas vésperas da posse, do dia D, ele falou: Olha, Bruno, tem um problema aí: você tem a pontuação, não é? Mas você não tem a frequência mínima ainda, você tem que ter a frequência de 75%. E você só a terá em setembro. Eu pensei: E aí? Como é que vai ser isso aí? Aí em conversei muito com ele, pedi muito. E aí ele conseguiu achar uma espécie de alínea f do parágrafo único do artigo 36, digamos assim, de uma norma da universidade, que permitia fazer um trabalho para suprir a frequência. Aí eu fiz mais trabalhos ainda e consegui colar grau no dia 30 de julho de 2002 e tomei posse na AGU na segunda-feira seguinte, dia 02 de agosto. Foi muito complicada essa época para mim!
Eu também tive uma briga com a OAB – não vale a pena contá-la inteira aqui –, para me dar a carteira da ordem. Eles queriam me processar porque eu estava exercendo a AGU sem a inscrição na OAB. Mas eu já havia passado no exame de ordem, o meu caso não era julgado na OAB de modo algum, o pessoal ficava discutindo firulas jurídicas (19). Eles quase mandaram o meu caso para o Ministério Público, por um suposto exercício ilegal da profissão, porque eu estava na AGU sem carteira da OAB. Foi uma época muito tumultuada mesmo – e tudo isso aconteceu enquanto eu estava estudando para concurso.
Eu fiquei na AGU por um ano e meio (20) – nesse tempo eu prestei um concurso para o MPMG e não passei. Isso foi muito traumático para mim! Eu já estava afiadíssimo, mas eu não passei na prova subjetiva – e aquilo para mim foi o meu mundo caiu. Eu fiquei realmente muito frustrado. Eu me lembro que eu pegava o livro para estudar em casa, olhava para ele e não entendia nada, as letras estavam todas embaralhadas. E ficava assim: Como é que eu vou recomeçar? Ó mundo, ó céus! Foi muito difícil. Mas depois de duas semanas eu consegui voltar ao ritmo normal.
Esse concurso de Minas é muito famoso porque tem algumas surpresas muito chatas. Em um deles, que ficou muito famoso, foram aprovados apenas cinco candidatos – dos milhares que fizeram apenas cinco passaram no final. Havia dezenas de vagas e apenas cinco caras passaram. É claro que houve algum exagero nessa seleção. E algumas provas cobram coisas que a gente nunca viu na vida. Nessa prova que eu não passei, por exemplo – não foi por isso que eu não passei; eu não passei porque não estava pronto mesmo –, na prova de Direito Civil, o membro da banca narrou um caso de conflito de vizinhança e perguntou, na maior cara de pau, o que é supressio ou Verwirkung – algo como: Diga como se aplica a teoria da supressio ou Verwirkungnesse caso (21). Supressio! Ninguém nunca tinha ouvido falar dela na vida! Que diabo é isso? É de comer? É claro que você vai chutar alguma coisa ali, terá que embromar, mas com alguma razoabilidade. Você não pode chutar completamente, não é? Mas por essas e por outras eu fiquei muito frustrado com a prova, não passei, mas bola para a frente. Logo abriu outro concurso e foi nesse que eu passei.
Foram dois concursos quase simultâneos: o do MPMG e o do MPF. A prova oral dos dois foi na mesma semana. Eu fui a Brasília, dois colegas meus também estavam fazendo os dois concursos e os três passamos nos dois. Fiz esses dois concursos e estava muito preparado, estava sabendo muito mesmo. Mas há sempre o imprevisível, você sempre terá de contar com alguma coisa que você não saberá, com alguma surpresa, com algum membro de alguma banca que pode ser um cara esquisito, um cara que quer mostrar conhecimento, que quer mostrar como ele é diferente, que perguntará coisas que não estão propriamente ali no programa.
Mas o que é importante contar do concurso? As provas objetivas são muito simples, não é necessário explicar como é, não há muita surpresa. Na prova aberta do MPMG acontecem muitas surpresas, essas perguntas que ninguém sabe do que se trata. Por exemplo, perguntaram em uma época lá – não foi no meu concurso – na prova de Processo Penal: o que é o princípio da suficiência da ação penal? Suficiência da ação penal? Ninguém nunca tinha visto aquilo. Depois eu vim a saber que aquilo estava em um livro de perguntas e respostas de Processo Penal de algum autor não sei de onde. Quer dizer: para quê isso, não é? Eu soube depois que tinha alguma coisa a ver com os efeitos da sentença condenatória penal na área cível. Como é que o candidato iria descobrir isso? Quer dizer: tem coisas que podem vir de surpresa, mas não é uma surpresa só para você, mas para todo mundo. É muito agradável na hora da prova você ver que tem lá uma surpresa dessas, olhar para o lado e ver que todo mundo está ferrado junto, todo mundo está no mesmo barco, ninguém sabe aquilo, ninguém nunca viu aquilo, só o cara da banca mesmo.
Por exemplo, esse caso da supressio, depois eu vim a saber, estava citado em um único, singular e miserável acórdão do Superior Tribunal de Justiça – STJ. E aí o ministro do STJ citou um autor português. Poxa, como é que é isso? Não tinha como saber isso aí! É aquela questão para ferrar mesmo. Se uma questão assim cai na prova objetiva, menos mal. Porque ali é um número maior de questões, você pode errar aquela e você pode suprir por outras questões. Agora, na prova subjetiva é mais difícil, pois são três ou quatro questões, e se você zerou uma dessas, é difícil, não é?
Na prova aberta do MPF eu tive também uma surpresa, mas essa surpresa foi muito boa, muito agradável. Isso de fato foi um presente de Deus para mim – alguns chamam de sorte, outros chamam de Deus. Na prova de Direito Penal e Processo Penal, caiu uma questão sobre um assunto que não era muito falado na época. Era um tema que estava começando a ser discutido na época. Hoje já há emenda constitucional sobre isso – que é o tema da federalização dos crimes contra os direitos humanos. Estava lá na minha prova aberta do MPF e eu tinha estudado esse tema – eu não me lembro se ele estava explicitamente no programa –, por sorte ou por Deus, semanas atrás, em um relatório daquela organização internacional Human Right´s Watch, um relatório dela sobre o Brasil – eu não sei como é que eu descobri esse texto aí, mas eu acabei achando ele pela internet, não sei como é que isso me caiu às mãos. Mas eu o li e ele falava do situação policial e jurídica do Brasil à época. É uma ONG internacional que vem aqui fazer uma análise, e estava lá o relatório dizendo sobre as prisões do Brasil, aquela coisa horrorosa e tal. E uma das sugestões desse relatório era federalizar os crimes contra os direitos humanos, ou seja, em algumas situações excepcionais passar os processos relativos a esses crimes para a área federal. Por quê? Porque há uma suposição de que porque se trata de uma justiça menos capilarizada, ela está mais distante do fato, é mais imparcial e menos sujeita a pressões locais. Então tinha esse item lá no relatório – que falava também de uma Proposta de Emenda Constitucional – PEC que estava no Congresso Nacional sobre esse assunto. E na hora da prova eu fui agraciado com essa benção, de cair essa questão, que valia 40 pontos em 100. E a minha nota nessa questão foi essencial para eu passar. Eu tirei 50 na prova, em cima da risca – o mínimo necessário na prova subjetiva era 50 pontos. Eu tirei 35 nessa questão – foi uma das notas mais altas nessa questão – e eu tirei zero em duas outras. Havia essa questão maior que valia 40 pontos, que era a mais extensa, e havia três outras de 20 pontos. Eu zerei duas outras e tirei 15 na terceira – ou zerei uma delas e tirei 5 e 10 nas outras, não me lembro bem, mas eu zerei uma delas. Então se não fosse essa questão eu não tinha passado, não tinha jeito, era ferro mesmo.
Então tem sempre o imprevisível, não tem jeito, você tem que contar com isso aí. Tem que ter algum jogo de cintura, você tem que estar antenado nos temas que estão surgindo mais ou menos por aí. Não dá para ficar só nos manuais, mas também não dá para ficar só nesses temas, porque se você não tem a base você não vai dissertar sobre a coisa. Você tem que efetivamente saber os fundamentos. O conhecimento é como uma pirâmide: se você só tem o topo ela não tem fundamento, ela cairá fatalmente. Então é essencial ficar nessas duas situações, na base (com os manuais) e nas situações especiais, nos temas novos e tal.
Eu tenho algumas coisas interessantes para contar das duas provas orais. Eu sempre quis saber como era uma prova oral, e ninguém nunca me contou isso. Eu às vezes assistia a algumas provas orais do MPMG, mas era muito de longe, porque os candidatos ficavam fechados em uma espécie de curralzinho em uma grande sala no último andar, e a plateia era muito distante. Eu conseguia ver mais ou menos como era uma prova oral, mas eu nunca soube dos detalhes, como era o ambiente mais próximo, como era o nervosismo dos candidatos. Foi só fazendo mesmo que eu vi. Aliás eu fiz uma prova oral antes, mas foi para o concurso de estagiário da DAJ, mas é como se fosse um ensaio, não era o jogo mesmo. Ali eu iria entrar no jogo mesmo.
A prova oral não é algo para assustar. Eu tinha receio de ficar nervoso, porque eu sou um pouco gago. Eu tinha medo de ficar muito nervoso na hora da prova oral. Porque o cara da banca fica geralmente mais alto que você, a cadeira dele já é uma cadeira de autoridade. E você está ali, miserável e pedindo clemência. E eu tinha algum receio disso aí.
Em Minas há também a prova de tribuna. É uma prova em que você vai a uma tribuna, fica de pé, todo mundo te vendo e te examinando, e você fala sobre um tema sorteado no mesmo dia. Há uma lista prévia de temas – por exemplo, Direito Penal tem quatro ou cinco temas. Mas sorteiam no dia o tema sobre o qual você falará. Então sorteiam algum tema, por exemplo, sorteiam um tema de Direito Constitucional ou de Direito do Consumidor, e você tem algumas horas para elaborar o seu texto e ir para a tribuna falar durante cinco minutos. Você dissertará oralmente sobre o tema e mostrará sua habilidade verbal. É um concurso onde os aprovados farão júris, discursos em palanque na praça principal da cidade. Então é importante você ter algum tipo de traquejo verbal.
A prova oral do MPMG foi muito divertida, muito legal mesmo. Os candidatos acabam tendo muita afinidade, acabam criando laços de amizade na hora da prova oral. Eu me lembro que às portas da prova oral o pessoal que saía da prova comentava, por exemplo, o que tinham perguntado em algumas das provas. Quem chegou a esse ponto do concurso não tem muita rivalidade, ali é todo mundo junto. A gente sabe que se alguém não passar não foi porque o outro passou, mas porque eles quiseram reprovar a pessoa. Ali no caso não tinha um número limitante de vagas – havia menos candidatos que vagas. Então não tinha uma rivalidade. Por isso lá fora da sala estava um clima muito ameno.
Eu me lembro que a prova de Direito Civil era com o representante da OAB. Em Processo Penal, por exemplo, o que corria ali nos bastidores era que o membro da banca tinha uma listinha de umas quinze perguntas e ele não saía muito disso. Então o pessoal já sabia que ele ia perguntar mais ou menos aquilo ali. Por exemplo: Quais são os cinco princípios da ação penal, segundo Mirabete? Então o pessoal ficava mais ou menos preparado, sabendo qual era a resposta. A gente ia mais ou menos pronto. É claro que havia algumas surpresas na hora. Por exemplo, para vocês terem ideia, ele tinha vários manuais sobre a mesa dele (Mirabete, Pacelli, enfim, os mais famosos, uns dez manuais), ele pedia para você escolher um dos manuais que ele tinha na mesa, e abrir em uma página, onde você quisesse. Eu escolhi o livro do Eugênio Pacelli e caiu lá em uma página que fazia referência à Lei nº 6.368/76 – (antiga) Lei de Entorpecentes. E então ele me contou um caso: imagine que você passou no concurso, foi para a sua comarca, e chegou às suas mãos um inquérito policial por tráfico de drogas – isso é ele me contando o caso, para depois me perguntar –, você denunciou o sujeito, o processo correu tranquilamente, sem nenhuma nulidade, o juiz, na sentença, condenou o sujeito, a pena foi justa, mas você quer recorrer da sentença. Me diga aí qual é o motivo que você tem para recorrer da sentença. O que você poderia alegar? A questão não foi muito bem colocada – vocês percebem. Ele foi narrando um caso e me perguntou o que eu poderia alegar. Me veio uma luz na hora – não havia nenhum indício ali, nada. Na época havia uma discussão que não era muito forte ainda, sobre o regime de cumprimento de pena dos condenados por tráfico de drogas. Mas na hora da arguição, o examinador não havia falado nada sobre regime de cumprimento da pena, nada disso. Mas na hora eu pensei que a resposta estava clara. Por quê? O Supremo Tribunal Federal – STF estava dizendo na época que se na sentença condenatória constasse expressamente regime inicialmente fechado, o réu poderia progredir; se na sentença constasse regime integralmente fechado, não poderia progredir. E o MPMG, claro, é MP, com sangue no olho, quer ver o réu preso até o final. Eu falei: É claro, doutor, eu iria recorrer – aí eu expliquei para ele o que eu havia imaginado, e de fato era isso o que ele queria ouvir – eu iria recorrer para que na sentença constasse regime integralmente fechado, porque segundo o STF… Quer dizer, essa questão foi uma surpresa, eu não sabia que ele iria perguntar isso, é lógico, mas eu já tinha lido muito sobre o assunto, eu estava antenado nas discussões, e eu pude responder o que ele estava esperando. Houve também outras questões mais ou menos complexas que essa. Em geral cada banca te segura por um tempo que varia entre dez e quinze minutos.
Em outra banca, a de Processo Civil, foi muito interessante. A cara também me contou um caso: imagine que você foi aprovado no concurso, chegou na comarca e você entrou com uma ação civil pública ambiental, mas o Ministério Público não tem dinheiro para pagar a perícia. A perícia, no caso, é cara. Você está alegando, então tem que provar. Aí ele perguntou como eu iria resolver a questão, como eu iria pagar a perícia. Como eu iria dar conta disso aí. Resolva isso aí para mim. Ele perguntou: Que solução você dará? Eu falei tudo o que eu pude imaginar, mas eu não acertei. Eu falei: tem o fundo de direitos difusos, previsto na legislação, que tem dinheiro disponível. Ele falou: Pode esquecer! Não está disponível. No meu exemplo o fundo está sem dinheiro. Eu falei: Olha, o Estado pode pagar e, depois, o réu, se perder a ação, deverá ressarcir. É uma opção, eu brigaria por isso aí. Ele disse que não era por aí também não. Enfim, eu inventei mais algumas saídas lá e não consegui achar a solução. Aí ele viu que eu não ia resolver a questão e passou para a próxima. É claro que eu não fui reprovado por isso, mas a minha pontuação não foi excelente. Aí vejam que curioso: anos depois, eu estava com a minha esposa no carro – ainda não era minha esposa na época – eu estava em Volta Redonda, e eu me lembro que na época havia uma discussão sobre a inversão do ônus da prova, como ocorre no Direito do Consumidor, para essa situação. Ou seja, inverter o ônus da prova, mas aqui no aspecto processual e financeiro. Pelos princípios ambientais você fará com que aquele infrator – ainda que o seja de modo presumido – adiante o valor da perícia – você inverterá o ônus. É você quem alega mas é ele quem vai pagar – inverter o ônus da prova financeiramente para que ele pague. O cara queria que eu dissesse isso; ele queria ouvir isso de mim. Mas eu, no carro com a minha esposa, pensando em outra coisa, não sei o que deu na hora: Caramba, é isso o que ele queria ouvir! Isso aconteceu anos depois, eu não estava falando com ela sobre Direito, aquele assunto estava ali no fundo da consciência, e foi ali que eu, lembrando da prova oral, anos depois, cinco ou seis anos depois, falei: Ah tá, era isso o que você queria ouvir, não é? Agora eu já sei! É interessante: nem sempre você tem a resposta; às vezes ela chegará anos depois. Você tem que juntar os dados. Eu não juntei A com B – na época, no fundo eu não sabia dessa teoria, eu não sabia mesmo. Eu não imaginava que fosse isso aí. Eu soube depois da teoria, e depois ainda eu juntei A com B. Então nem sempre você vai saber tudo, nem sempre você vai conseguir ter controle de tudo, não tem jeito.
Uma outra coisa interessante nessa prova oral do MPMG foi o seguinte. Tinha lá um sujeito da banca examinadora com um livro de doutrina, era um resumo, desses resumões que estão famosos hoje, e a gente achava aquilo muito engraçado. Por quê? É um membro da banca, poxa. É o cara que sabe, é o cara, não é? É o cara que sabe o negócio. E está lá com um resumão do lado dele, exibindo orgulhosamente aquele resumo. Enquanto outros estão lá com tratados, compêndios, ele estava lá com um resumão! Esquisito isso aí, não é? E a gente não sabia como reagir a isso aí. Porque você pensa: será que ele está querendo enganar a gente? Ele quer falar que sabe pouco – é um senhor mais antigo na carreira –, para enganar a gente, para a gente relaxar e para ele então enfiar a faca? Ou será que ele de fato é modesto e humilde e vai se sentir ferido por uma resposta mais bem dada? Também tem isso, não é? O cara que é muito humilde, domina apenas o feijão com arroz, se você quiser falar bonito com ele, ele vai te cortar! Ele é quem manda ali! Então isso foi um mistério para a gente. A gente não sabia que reação ter perante ele. Valia mais a pena ficar no feijão com arroz ali e não pisar muito fora.
Em uma outra banca a pessoa tinha um caderno brochura, com perguntas escritas à caneta, e ela perguntava, como se fosse um ditado mesmo: O que você tem a dizer sobre isso? E olhava assim para você, por cima do caderno, e você tinha que responder. Fale sobre a classificação de não-sei-quem. E aí ela olhava assim e você falava: Segundo não-sei-quem… Era muito engraçado! Era muito singelo aquilo, não tinha nenhuma maldade naquele negócio.
Em uma outra banca eu já fiquei um pouco intimidado. Cada banca era composta por duas pessoas. Nessa banca, um deles tinha a cara de mais bravo, de inquisidor, e o outro era mais amigável. Houve perguntas sobre Direito Econômico, Direito do Consumidor – era uma banca de legislação especial. Eu sei que eu fui respondendo e a prova acabou durando um pouco mais que as outras. Eu fui ficando à vontade com eles, fui relaxando e fui baixando na cadeira. Quando eu menos percebi eu já estava bem à vontade. Aí o mais amigável olhou para mim – eu não percebi que eu estava à vontade – e disse: Por favor, o senhor queira se recompor na cadeira. Eu logo percebi, voltei à postura formal, e pedi desculpas. Eu fiquei muito sem graça por perceber aquele estado meu. Eu estava muito à vontade ali, eu estava sabendo as questões, e eu relaxei mesmo, eu estava relaxado ali, como quem está em casa conversando com amigos. E aquilo me grilou tanto, eu fiquei a semana inteira, até o resultado final, me perguntando: Será que aquele cara vai me ferrar? Será que ele vai me tirar do concurso por isso? Porque, de fato, é uma postura meio esquisita, não é? Você está ali na banca, de terno, naquele ambiente formal, e, poxa, relaxado como quem está achando tudo muito bom. Eu realmente fiquei com muito medo disso, de não passar por isso. Mas no final das contas eles me aprovaram e não tive nenhum problema com isso.
No Ministério Público Federal a prova oral é mais ou menos assim também. É uma sala, onde cada banca ocupa uma mesa, e você fica circulando de mesa em mesa e vai passando por todos os carrascos e tomando tapas, não é? Eu não posso dizer que é mais tranquila e nem que é mais difícil. É uma prova tranquila também. Não tem muitas surpresas. E lá, em especial, é mais previsível. Por quê? O nosso edital do MPF vem por tópicos. Então cada disciplina tem 20 ou 25 tópicos e cada tópico tem três itens. Na hora da prova oral eles sorteiam um dos itens – eu não me lembro se é um dos números, com três itens, ou se é uma das alíneas – sorteiam um tema e você terá ou que dissertar oralmente sobre aquele tema ou terá que responder a perguntas sobre ele.
Eu me lembro que o subprocurador membro da banca de Direito Civil e Processo Civil sorteou um tema de registro civil e um outro de ações possessórias e ele me mandou falar sobre isso: Ah, então fale sobre o que você sabe sobre isso aí. Sobre o tema das ações possessórias eu sabia – eu tinha lido muito sobre isso. Eu li em Direito Civil e em Processo Civil. Eu sabia tudo, não é? Sabia das três ações, dos graus de ataque à posse, tudo na cabeça. Mas na hora não saíam os nomes das ações! Eu me esqueci deles na hora da prova! Eu expliquei para ele: Olha, eu sei quais são as ações… – expliquei com muita calma – … sei que elas variam de acordo com o ataque à posse: em uma delas o ataque não aconteceu ainda, em outra o ataque já aconteceu, mas não se completou, e na outra a posse já está perdida, mas eu me esqueci os nomes, mas são essas aí que o senhor bem sabe… Apesar disso eu passei bem nessa matéria, mas o branco às vezes vem mesmo.
É uma hora muito solene. Vocês sabem que o prédio da PGR parece um disco voador, é muito bonito, não é? E eu estava lá dentro daquele negócio ali, é um negócio muito bonito. E eu estava li naquele lugar maravilhoso, eu estava na prova oral do MPF, no primeiro concurso que eu fiz para a PGR. É uma situação que geralmente deixa as pessoas um pouco mais nervosas, mais tensas, não é? Então a última coisa de que eu me lembraria ali seria o nome das ações possessórias. Eu não me lembrei mesmo!
O outro cara da banca – era a banca de Direito Financeiro e Tributário – fez uma pergunta sem pé nem cabeça: Vem cá, como é a importação de peças de aeronave? Que tributos incidem sobre a importação desse produto? Eu não tinha a menor noção de como era isso aí. Eu respondi como eu achei que tinha que responder, mas eu não tinha nem noção se eu tinha acertado ou não. E ele fez também outras perguntas que eu soube responder. Mas tem sempre o folclore das provas orais, e não tem como escapar dele.
Em geral é isso: você tem que manter a calma, tem que dominar um pouco os temas. No MPF você tem que saber que pode cair para você um tema que será pura surpresa. Há vários itens ali e na sua prova oral pode ser aquele, entendeu? Você tem que dominar mais ou menos a coisa. No meu concurso foi interessante porque os candidatos que foram para a prova oral conseguimos nos reunir por e-mail, e nós dividimos o programa inteiro do concurso entre os candidatos – éramos um pouco mais de noventa pessoas –, e cada um ficou com três tópicos para resumir e mandar para o grupo. Então nós conseguimos fazer várias apostilas com um resumo de todos os tópicos. Porque era mesmo uma surpresa. Poderia cair para você ali um item que você nunca viu na vida. Vocês podem ver o programa do 25º Concurso, que está disponível aí, e verão coisas ali que, meu amigo, é difícil! Você nunca mais os verá na vida! Só nesse concurso mesmo. Então isso foi importante para a gente saber bem sobre temas sobre os quais nós não tínhamos muita ideia, para você ir com alguma coisa para falar, alguma nuance, alguma classificação, algum indício de conhecimento sobre aquele tema.
Mas diante de tudo isso aí, eu ainda olho para trás – como eu falei, já se passaram oito, nove anos, de tudo isso aí, em alguns casos mais de dez anos – e fica sempre alguma coisa que faltou entender. Eu ainda não entendo muito bem o que é que de fato me tirou daquela situação, um menino normal ali, pô, e num concurso com vinte mil candidatos, passam noventa e eu estou ali entre eles! É claro que eu estudei muito, ralei demais, foi muito difícil, mas ainda falta alguma coisa que eu não sei explicar, sabe? Faltam alguns elos. É engraçado pensar sobre isso! Parece que foi algo que Deus me deu de graça! Ele me mostrou o caminho, e eu o fui seguindo, mas chegou uma hora em que eu não sabia o que fazer – talvez nem soubesse que tinha algo a fazer –, uma hora em que eu não dominava a situação, uma hora em que eu não sabia o que estava acontecendo mesmo, e foi ele quem me levou.
Porque, olha, essa mania de controle que nós temos – alguns têm mais, outros têm menos –, mania de controlar, mania de saber tudo – claro, o concurseiro tem que ter essa mania de controle, ele tem que saber tudo mesmo, e um pouco mais –, isso é só uma meta, é só um anseio, você nunca chegará a esse conhecimento absoluto. Não tem jeito. E mais: algumas coisas nesse trajeto são imprevisíveis, não é? Há situações que podem te surpreender no meio do caminho: você pode se apaixonar, você pode se casar! E aí, como é que fica o seu programa que estava em andamento? Você pode ter que mudar de cidade, em razão do emprego. Você pode desistir e querer outro concurso, e aí terá que pegar o programa e adaptá-lo. Tudo isso pode acontecer. E nesse meu trajeto houve algumas mudanças, e eu de fato fico me perguntando de onde veio essa força. Coisas imprevisíveis que eu não estava preparado para superar, que eu não sabia como superar, mas que eu nem percebi e passei por aquilo tranquilamente – hoje, olhando para trás, eu vejo que passei por muitas dificuldades da vida sem sequer percebê-las, certamente porque Deus estava do meu lado, me levando pelas mãos. E essa é décima lição: Diante do imprevisível, contei com Deus.
Eu fico pensando às vezes: é como aquela criança que passa o dia brincando, fazendo o dever de casa, e dorme na sala, com os pais, vendo televisão. Ela, inocente, não foi para a cama. Quem carrega ela para a cama é o pai, não é? A mãe prepara a cama dela e o pai pega ela no colo e a leva para a cama – e ela nem percebe, ela nem sabe, ela nem viu isso aí, não é? O pai dela dá conta de tudo, tranca a porta da casa, confere o gás, coloca o despertador; a mãe passa a roupa dela, prepara o café da manhã – e esses cuidados nem passaram pela cabeça dessa criança! Ela nem sabe que a vida, a saúde, a segurança e o conforto dela dependem desse pai e dessa mãe – tudo o que ela fez foi brincar, fazer o para casa e dormir na sala. Aí ela acorda no dia seguinte, restabelecida, descansada e pronta para o novo dia, para novos desafios, brincadeiras e aprendizado.
E quando eu penso nisso tudo eu vejo que é como se eu fosse essa criança que cumpriu o seu papel, fez o seu dever de casa, brincou um pouco, se divertiu – isso foi divertido mesmo, eu olho para trás e acho muita graça –, mas chegou o momento em que eu dormi na sala mesmo, eu não tinha noção do que estava acontecendo nesse fundo muitas vezes incontrolável das nossas vidas, eu não tinha controle da situação – eu não estou dizendo que houve desespero, não é isso! Mas tem coisas que você não vai controlar, não é? Não é você que vai resolver aquilo. Você é incapaz mesmo, você não está pronto para aquilo e muitas vezes você sequer sabe que tem um problema ali para você resolver.
É como se eu fosse essa pessoa, essa criança que dormiu ali na sala e de fato tinha uma cama pronta para ela dormir, e é Deus quem pega você nos braços e te leva para a cama, foi Ele quem me deu a segurança. Na época eu não era religioso (eu me converti à Igreja Católica há pouco tempo; eu fui batizado quando criança mas fiquei longe da Igreja por muito tempo), mas eu sempre rezei em casa. E eu olho para trás e sinto isso: que foi Ele quem me pegou pelas mãos, me pôs na cama, para descansar mesmo, e cuidou de tudo o que era necessário enquanto eu estava ali meio adormecido, enfim, foi Ele quem coroou mesmo essa vitória, me colocou ali, onde eu descansei – e eu já acordei adulto, no susto, descansado, e pronto para a batalha, para esse desafio que é o Ministério Público.
A mensagem que eu tenho a dar para vocês a esse respeito é essa: façam o que vocês têm de fazer mesmo, mas não adianta: haverá alguma coisa ali que você não conseguirá suprir – e às vezes você nem saberá o que é! Às vezes é isso, um artigo que cai nas suas mãos na hora certa, na véspera da prova! Poxa, não foi você que foi atrás, o artigo chegou às suas mãos! Você tem que reconhecer isso aí! Você não é gênio a ponto de descobrir o que vai cair na prova. Caiu nas suas mãos, foi um presente. Está lá na sua mão um artigo da Human Rigth´s Watch, e aí? Como é que é isso aí?
No concurso do MPMG eu não me lembro de nenhum fato surpreendente – é claro que houve ação divina, lógico, mas não tem nenhum fato surpreendente. No MPF houve. Realmente se não fosse esse artigo eu não tinha passado, não tinha passado mesmo.
Então é isso. É preciso contar com essa válvula de escape para o transcendente, que é Deus, que é o Infinito, o Insuperável. Você vai ter que ter isso aí com você. Você não vai conseguir passar sozinho, tem que ter os amigos, tem que ter família, se possível a seu favor – às vezes não é possível, não é? Se não for possível, você se mantenha um pouquinho ali, e às vezes fuja da família para estudar. Isso também funciona. Mas é importante saber qual é a sua parte e qual é a parte de Deus – porque Ele tem a parte dele também.
Então, pessoal, essa é a minha história.
Com essa exposição a gente encerra o nosso Ciclo de Palestras e eu fico à disposição para perguntas, outras questões que vocês tenham, algum comentário, alguma dúvida sobre essa minha trajetória. Eu queria agradecer muito à Lúcia, por estar todos os dias aqui com a gente, e fazer parte desse Ciclo de Palestras – e também à Lígia, minha estagiária, que está fazendo e digitando os resumos das palestras. Eu espero que esse ciclo se repita no próximo semestre. Eu não estarei aqui no próximo semestre, pois eu farei uma permuta com um colega de Minas Gerais, mas eu espero que esse espaço aqui se multiplique, pois ele foi muito importante. Esse espaço aberto, esse diálogo com os estagiários e com os servidores é muito importante. A gente estava precisando disso aqui. Porque, enfim, a gente aprende muito um com o outro.
Então é isso!
Comentário da plateia: Eu só quero complementar a fala do Dr. Bruno, eu há vários anos trabalhei com estágio. E eu sempre tive relação com o estágio. E já comentei isso com o doutor, que eu sempre achei que esse tipo de evento não é apenas importante, mas sim essencial para o desenvolvimento do estagiário. Porque ele chega sem praticamente conhecer o órgão, vem muito imaturo, mesmo porque nem o curso ele encerrou ainda. E eu sempre tive isso muito claro dentro de mim, que isso faz parte realmente do processo de aprendizagem do estágio. E eu falei com o Dr. Bruno, quando ele comentou comigo a respeito dessa iniciativa, que eu a achava muito louvável, porque era uma expectativa que eu tinha dentro de mim, em relação a qualquer estágio, e principalmente aqui dentro eu acho que tinha que ser feito isso. E eu deixo o meu depoimento de que eu o parabenizo pela iniciativa. E sempre falei com eles, quando eu dou posse para eles, quando eles chegam no primeiro dia, que aproveitem mesmo, é ou não é? Porque tem a parte da faculdade, tem a parte da instituição, mas principalmente tem a parte de vocês estagiários. Então é isso.
Pergunta da plateia: O doutor não sente uma pontinha de saudade da atividade de dia-a-dia do Ministério Público estadual?
Exatamente, esse era um ponto que eu gostaria de ter abordado, mas acabei me perdendo. Eu sinto muita falta mesmo! Eu tenho muita saudade da época em que eu era promotor de justiça! Muita saudade! Era muito gostoso aquilo! E foi muito bom também estar no MPF em outras cidades. Aqui em Campinas a atividade é muito específica, não é? A gente só trabalha com o criminal – eu estou na parte criminal aqui. Mas mesmo no MPF, eu já trabalhei em lugares onde eu, de fato, atuava na parte de tutela coletiva, e era muito dinâmico. Aqui eu tive esse azar, os crimes são muito técnicos e você quase não vê os atores do processo, e isso por um lado é muito ruim. Tem gente que gosta disso, tem gente que adora esse trabalho. Mas eu sinto falta daquele trabalho do MPE. Esse é um dos motivos pelos quais eu estou voltando para Minas. Eu vou para uma PRM de dois procuradores e eu espero que eu fique mais satisfeito. Lá eu pegarei os casos da vida real, não é? Eu verei as pessoas, eu atuarei em campo mesmo. Mas em especial o MPMG para mim foi muito importante. Eu aprendi demais lá. Eu fiquei um ano lá e aprendi muito mesmo. Eu tenho muitas saudades daquele tempo.
Eu não sei se estaria satisfeito se ainda estivesse lá. Eu tenho colegas que passaram comigo no MPMG, que passaram antes de mim, que passaram depois de mim, e que estão no MPF hoje. Mas eu não sei, essa é uma dúvida que eu levarei para o túmulo. Se seria melhor ter ficado, se seria melhor ter vindo. Mas eu tenho muita saudade mesmo. Foi muito gratificante o trabalho lá, eu aprendi muito. Eu sempre morei na capital, em Belo Horizonte, sempre morei em apartamento – como se diz, menino criado em apartamento – e fui para uma cidade de quinze mil habitantes onde eu era promotor de justiça e tinha muito poder nas mãos, não é? Eu aprendi muito, bati muito a cabeça. Em me desiludi muito também: a gente chega lá achando que vai mudar a cidade, não é? Esta cidade está agora sob as minhas mãos! Existem as leis e existem os fora-da-lei! Mas eu fui vendo – eu até já lhes falei sobre isso – que o buraco é mais embaixo. Você quer mudar tudo mas nem tudo pode ser mudado por você naquele momento. Inicialmente eu me frustrei muito com isso aí, mas eu fui aprendendo, eu fui vendo qual era realmente o lugar do promotor de justiça. É de fato uma atuação que tem que ser em conjunto com a sociedade, você tem que ir mais ou menos entendendo como é que funciona o fluxo social, como é que os anseios e as expectativas funcionam ali dentro, para você ir entrando e conseguir apertar o botão certo. Porque nem sempre você vai chegar com um murro e vai resolver. Eu aprendi isso lá. Porque, é claro, você passa no concurso, está com o poder nas mãos, com as leis todas, e acha que é só aplicá-las. Mas não é assim! Eu tenho muita saudade dessa época, que foi de muito aprendizado. E foi uma época de muito contato humano também. Eu tive a felicidade de ter um juiz comigo, um gaúcho, o José Henrique Mallmann, que era socialmente muito ativo. A gente, por exemplo, chegou a organizar uma ONG ambiental lá em Águas Formosas, MG, a gente plantava junto com a população nas margens dos rios, fazendo a recomposição das matas ciliares, preservação de nascentes, fazíamos passeatas ecológicas com os alunos das escolas – juntávamos os órgãos ambientais, IEF, Feam, Ibama e foi bem interessante. A coisa durou um tempo depois que eu saí de lá, mas hoje não existe mais.
Mas aconteceu o seguinte: eu passei nos dois concursos ao mesmo tempo. Os resultados saíram no mesmo dia, em 05 de dezembro de 2003, que foi o dia mais feliz da minha vida até então. E eu tive que escolher. No MPE eu já podia entrar direto, porque eles pediam um ano de formatura ou de experiência. Eu já tinha feito estágio, já tinha sido oficial do Ministério Público. Somando tudo eu já tinha tempo suficiente para entrar. Então eu tomei posse e entrei direto. O MPF pedia dois anos de formatura – não eram dois anos de experiência. Então eu teria que esperar de um modo ou de outro. Então eu entrei no MPMG, fiquei lá um ano e pouco e fiquei de decidir se ia ou se não ia. Era muito difícil decidir por não ir, não é? Um concurso difícil como esse.. eu estava gostando demais da cidade. Mas um concurso como esse é uma vez na vida e outra na morte! Então a chance estava aberta e eu resolvi entrar. Eu não me arrependo não, mas eu tenho muita saudade. Se houvesse a possibilidade de fazer um intercâmbio eu voltaria por um tempinho lá para fazer alguns júris – eu tenho muita saudade do Tribunal do Júri, que era bem interessante.
Comentário da plateia: Eu acho que a tutela vai devolver um pouco… (inaudível)
Talvez devolva!
Pergunta da plateia: O senhor, que teve a oportunidade de passar nos dois, tanto no estadual como no federal, o senhor acha que a gente, que está começando agora, que vai ainda delinear qual caminho quer, é importante ou é necessário escolher se vai ser na área federal ou na estadual, porque muda muito as matérias, ou o senhor acha que não, que a gente tem que estudar tudo, qual é a sua impressão sobre isso, já que o senhor conseguiu os dois?
Olha, o meu enfoque foi mesmo no MPMG, que era o que eu queria. Agora você há de convir que não há muita diferença na essência do cargo: é um cargo acusador, fiscal da lei. Nesse caso eu não tive muito problema. Havia algumas matérias específicas do MPF – e eu tive que estudá-las também. No meu caso eu não passei por esse dilema de ter que escolher. No meu caso eu acho que valeu a pena mesmo focar no MPMG e estudar para o MPF o que faltava. Eu não tive um problema muito grande. Agora, estudar para o concurso de juiz de direito e para o de juiz federal já é muito diferente. Eu não saberia dizer se vale a pena se direcionar para um ou para outro ou se vale a pena ficar entre os dois. Eu não sei mesmo dizer.
O que importa saber é que se você abrir um leque muito grande será difícil. Se você quer ser delegado, AGU, juiz ou promotor – e se puder também alguma outra coisa –, você não vai conseguir se centrar, entendeu? Agora se você está disposto a ser MP mesmo e quer chegar um dia no MPF, eu acho que vale a pena investir no MPE, que tende a ser um pouco mais fácil – é difícil, mas tende a ser mais fácil – e aí quando abrir o MPF você tenta. Eu não acho que tenha algum risco – o risco é você gostar de ser promotor de justiça e querer ficar no MPE!
Eu não sei se eu faria o MPF de novo se ainda estivesse no MPMG. Eu tive colegas que fizeram, já estavam lá exercendo o cargo, tentaram o MPF e passaram. Mas eu não sei se eu teria feito isso aí. Não sei mesmo.
E não sei se vale a pena focar em um só. O risco de focar em um só é aquele negócio: podem ter pedras no caminho que você não vai perceber. Então o cara só quer ser juiz federal. Pô, às vezes você não conseguirá, pois pode haver alguma coisa intransponível que você não está conseguindo ver, algum obstáculo que você não consegue superar naquele concurso. Entendeu? Ou então o tempo vai passando, abre um concurso aqui e você não passa, abre outro e você não passa. E aí? Você tem que se definir, não é, de algum modo! Então, eu não sei dizer sobre isso aí. Como tudo na vida, até isso aí é um desafio: focar em um só ou abrir o leque.
Como você percebeu, eu fiz a AGU. Eu fui procurador federal da AGU durante um ano e meio. Era muito trabalhoso o cargo. Eu estava no JEF – Juizado Especial Federal em Minas Gerais, onde tinha muito trabalho. Mas eu consegui não me vincular emocionalmente ao cargo. Eu fazia as coisas direitinho, mas eu não amava o cargo. Então o meu coração estava nos estudos. Eu saía de lá quase todos os dias 15h – às vezes tinha que ficar até mais tarde, tinha muitas audiências, fazer carga de processo, devolver processo. Eu chegava lá de manhã bem cedo e ficava até às 15h, e passava o resto do dia e a noite inteira estudando. Então depende do que você quer de verdade. Pode ser que você precise trabalhar e valha a pena você investir em outro concurso mais fácil para você se manter durante esse tempo. Isso vale muito a pena.
Eu me lembro que durante as férias de faculdade e de trabalho eu rendia muito menos nos estudos. Mas muito menos mesmo. Eu não sei o que acontece, eu não sei. Eu estudava menos tempo do que quando estava no trabalho – me dava uma lombeira. Isso é engraçado, viu?
Se você pode ter um trabalho de meio horário, de seis horas, é melhor. Ou um cargo em que você não precisará bater ponto e vai conseguir fazer o trabalho bem feito em um tempo razoável. Por exemplo, na AGU eu fazia o trabalho em mais ou menos cinco horas. Eu estava no JEF e o trabalho era volumoso mas era muito repetitivo. Então eu consegui me desvincular emocionalmente dali para estudar em casa. Então depende muito da situação. Depende muito mesmo. Cada caso é um caso, e você tem que ir sondando isso aí.
Pergunta da plateia: Agora, uma curiosidade, doutor, em relação ao seu dia de estudo. O senhor pegava duas ou três matérias e estudava simultaneamente. Como é que o senhor dividia?
O que eu fiz foi isso, eu falei desses resumos que eu fazia. E eu criei um quadro em uma folha A4 onde eu punha as matérias e tinha as etapas. Eu fazia um resumo com base em um livro, depois eu ditava e transcrevia no computador e depois eu fazia ainda com o segundo livro, e transcrevia. Então eu tinha as etapas. Eu ia marcando de acordo com a afinidade do dia. Eu não ficava uma semana, por exemplo, só em Direito Constitucional. Eu não fazia isso. Isso aí cansa um pouco a cabeça. Eu variava muito. Eu me lembro que eu variava por dia, eu não me lembro de pegar duas matérias em um mesmo dia. Cada dia eu mudava um pouco. Eu pegava até um tal ponto em Constitucional, no dia seguinte era Direito Penal, aí eu marcava na tabela até onde tinha ido, no dia seguinte mudava para outra matéria. Dessa forma eu tinha o panorama completo ali naquela folha, ou em algumas folhas, de acordo com o caso.
Sobre o tempo de estudo. Isso variava demais. Acontecia de eu estudar entre o estágio e o trabalho, eu às vezes matava algumas aulas na faculdade que não valiam a pena. Por exemplo: Direito do Trabalho – pô, ninguém aguenta isso, não é? Eu saía da aula mesmo! Eu nunca fui de colar e nunca colei na vida. Eu tinha horror ao pessoal da cola. Eu acho um contrassenso o pessoal que gosta de se enganar – eu realmente não conseguia entender o que estava acontecendo ali naquele grupinho. O que será que era tão interessante naquele negócio ali? Mas, por outro lado, eu quase não assistia às aulas de Direito do Trabalho, e nas vésperas da prova eu lia um pouco os resumos e fazia só o suficiente para passar. Não gostava de jeito nenhum dessa disciplina. Então eu matava algumas aulas, quando não tinha aula eu ia para a casa, ou para algum lugar, estudar.
O horário variava muito. Às vezes era a tarde inteira, às vezes era a noite inteira. Mas nunca menos que uma hora e nunca mais que cinco. Muito pouco tempo você ainda não esquenta para pegar a coisa, e muito tempo você começa a não entender muito, começa a ficar cansado, o corpo cansa e você passa a não entender mais.
Outra coisa: eu nunca fiz cursinho, nunca mesmo. Eu não sei se eu devo aconselhar a fazer ou a não fazer. Mas no meu caso foi muito legal não ter feito. Eu nunca fiz, mas eu assisti a uma ou a duas aulas em cursinho. Na época da prova oral do MPMG, os cursinhos de Minas – na época havia dois mais famosos, que eram o Praetorium e o A. Carvalho – ficavam caçando os candidatos para fazer aulas gratuitas com eles. Para quê? Para eles divulgarem o nome do cara: dos vinte aprovados, dezenove são do A. Carvalho – e muitas vezes o cara pisou lá apenas uma vez! Então nessa fase da prova oral eles convidam os candidatos a assistirem às aulas deles. E nessa fase isso pode ser importante. Por quê? Porque nessa fase o membro da banca pode perguntar coisas de que você não suspeita. É bom conhecer o que ele está lendo, é bom conhecer a linha de trabalho dele. É só no cursinho que eu consegui ter acesso a isso. Eu não tinha nenhum passarinho verde para me contar. Os caras dos cursinhos eram colegas de trabalho deles. Eu nunca vi nenhum tipo de tráfico de influência nesses casos, claro, ninguém contava o que iria cair nas provas. Mas eles falavam coisas do tipo: Ah, olha, hoje eu estava lá na PGJ e eu vi Fulano de tal, membro da banca, com o livro de não-sei-quem debaixo do braço. Entenderam? Então a gente sabia que o cara estava lendo o livro de não-sei-quem. Já era um dado importante para você sondar a linha dele. Às vezes ele poderia estar querendo enganar, não é? Pode ser que estivesse dando uma pista falsa. Mas era importante saber disso. Então eu fui assistir a essas aulas da prova oral. Uma ou duas. Eu não sei se valeu a pena. Mas eu estava mais seguro, porque eu sabia que estava junto com os outros, não é? E isso foi de algum modo importante. Nessa fase não dá para você ir sozinho não. Você tem que ter as informações do que corre ali dentro – informações lícitas, diga-se de passagem.
Eu não fiz cursinho, mas eu sei que o ambiente do cursinho, se por um lado parece engraçado – tem piadinhas –, tem excelentes professores, os caras dominam mesmo a matéria, sabem tudo; você vai no cursinho e os professores são dinâmicos, usam muitos gráficos, setas e etc –, mas no longo prazo o negócio começa a ficar depressivo. Há muita gente que está ali há seis, sete concursos tentando, e não passa, não passa e não passa. Aí você vê que a pessoa passa a ser especialista em aulas de cursinho: ela sabe tudo sobre aquilo, sabe em que aula o professor deu aquilo, sabe qual é o programa do professor, sabe todas as piadas que o professor conta – ela só não sabe passar no concurso. Ela fica meio assim – eu não sei o que é. Eu vi pessoas assim: pessoas que ficaram viciadas em cursinho.
E eu ficava pensando assim: eu vou lá para o cursinho, aí eu tenho que ir de ônibus ou de carro, já é meia hora, até a aula esquentar, mais meia hora. Pô, uma hora de estudo é muita coisa! Aí tem o intervalo, tem o papo com os amigos, tem a fofoca. Olha, isso é muita perda de tempo! Eu não quis fazer por isso. Pois eu estava ali em um ritmo muito forte. Mas isso é importante: eu estava sabendo o que eu estava fazendo, eu estava consciente do que eu estava fazendo, eu não estava perdido no programa. Eu tinha um programa certo a cumprir, um programa que tinha um cronograma certo, e estava seguindo ele à risca, e isso me dava segurança – daí o título que eu dei para a nona lição: Fugi da falsa segurança dos cursinhos preparatórios. E mais: eu estava sempre em contato com pessoas que estava fazendo cursinho. Eu não me isolei, eu não era contra e pronto. Eu estava em contato com eles.
Comentário da plateia: mesmo porque o cursinho tem uma atualização diária, não é, doutor? A coisa quente ali já está no cursinho.
Sim, quem dá aulas em cursinho geralmente sabe muito. Eu dei aulas em cursinho uma vez, no Pará, na Escola da Magistratura do TJPA, sobre Direito Eleitoral. Foram seis meses. Eu tive que estudar muito para dar esse curso lá. O pessoal sabe muito, os alunos de cursinho sabem muito, não é? E o professor tem que saber tudo. Há perguntas que surgem do arco-da-velha. De fato, há alunos que sabem muito. E o professor tem que saber muito também. Então é assim: tem muita informação, mas eu não sei, na minha situação eu acho que eu ficaria muito deprimido naquele ambiente, entendeu? É um ambiente que tem algum tipo de faz-de-conta também. Eles prometem muito. Prometem muito mesmo. E na verdade não depende só deles. Eles prometem o que eles não podem fazer. Eles não podem passar o cara no concurso, e a pessoa vai naquela ilusão, não é? Ela está no melhor cursinho da cidade, ela está com os melhores professores, então ela acha que aquilo vale a pena e será suficiente.
Eu me lembro que eu vi uma vez em um cartaz na faculdade a divulgação de um cursinho preparatório de seis meses para o exame da OAB. Aí alguém, uma boa alma, escreveu lá de caneta uma brincadeira bem curiosa: Aprenda em seis meses o que você não aprendeu em cinco anos. Eu falei: É isso que é o cursinho, não é? O cara que durante cinco anos não aprendeu, ou não aprendeu o suficiente, quer aprender tudo em seis meses. Isso não vai dar! Ele pode ir no cursinho – é por isso que eu falo, eu não vou desrecomendar -, mas ele vai ali só respirar aquele ambiente e tem que sair dali o mais rápido possível! Aquilo ali não é vida, é só uma passagem, aquilo lá é só um instrumento mesmo para sentir o que é um concurso.
Muitas pessoas não têm outra oportunidade de ter essa experiência. Eu por exemplo fiz muitos estágios, tive um bom emprego na área jurídica, onde eu estive perto das pessoas que faziam isso. Então eu mais ou menos peguei no ar a coisa, eu não sei explicar como eu consegui pegar, mas eu peguei aquilo no ar. Tem pessoas que não conseguem fazer isso e são melhores em outra coisa. Então talvez o cursinho seja bom para elas. Para elas sintonizarem no que é um concurso, sintonizar nas matérias, no que é novo, no que é mais antigo, e é a base. Talvez seja bom. Mas há sempre o risco de viciar. E você se revoltará, pois se você gostar muito você acabará ficando lá um, dois ou três anos e vai ficar se perguntando o que aconteceu: Será que eu não consigo? É porque você está olhando para o lugar errado: você tem que olhar para você mesmo, para dentro de você. É aqui, dentro de você, que está sua vitória, não é no cursinho.
Mas eu conheço colegas que fizeram cursinho e que creditam a sua aprovação ao cursinho. Então eu não tenho como falar: Não façam cursinho! Eu sei que eu não fiz e para mim foi muito bom não ter feito, porque eu ganhei mais tempo para estudar em casa.
Muito bem gente? Então está bom. Até a próxima, então.
(1) Esta é a transcrição, com adaptações e alguns pequenos acréscimos, da palestra que fechou o Ciclo de Palestras para os estagiários e servidores da Procuradoria da República no Município de Campinas, SP, ocorrido entre fevereiro e abril de 2011. As notas de rodapé – muitas delas com referências pessoais – foram acrescentadas posteriormente ao texto.
No início da palestra foi distribuído à plateia um pequeno recorte de papel, com o título Como consegui ser aprovado no concurso do Ministério Público, e com as seguintes lições: 1) Descobri o meu próprio valor. Não aceitei o consenso geral a esse respeito; 2) Com humildade, aceitei as minhas deficiências e trabalhei sobre elas; 3) Convivi com pessoas que chegaram ao objetivo que eu buscava; 4) Fortaleci minha vontade: certifiquei-me da minha vocação e trabalhei sobre a minha imaginação; 5) Encontrei o meu próprio método e montei minha própria bibliografia; 6) Fiz o reconhecimento do território (concursos públicos em geral) e sondei o exército adversário (as provas e a banca examinadora); 7) Tive amigos com os quais trocava ideias; 8) Preenchi o meu tempo com coisas úteis e saudáveis. Não temi a solidão; 9) Fugi da falsa segurança dos cursinhos preparatórios; 10) Diante do imprevisível, contei com Deus.
(2) Esta palestra foi proferida por Bruno Costa Magalhães, procurador da República em Campinas, SP. Antes de assumir as funções do Ministério Público Federal, foi oficial do Ministério Público, procurador federal/AGU e promotor de justiça em Minas Gerais – onde atuou na Comarca de Águas Formosas, MG. No Ministério Público Federal atuou também na Procuradoria da República no Pará e na Procuradoria da República no Município de Volta Redonda, RJ.
(3) Além do cursinho pré-vestibular Cromos, na Rua da Bahia, que durou duas semanas na virada do ano de 1996, também absorvi muito das aulas do 3º Ano Integrado do Colégio Batista Mineiro, em especial as dos professores Jair Kaeser (física), Ronier (química) e Ambrogina (matemática); e as de um cursinho de História, com duração de um semestre, que acontecia às segundas-feiras à noite no Colégio Padre Machado, ministrado pela excelente professora Maria de Fátima Martins Barbosa.
(4) Segundo me recordo, para Jung, os pais têm a expectativa de que os filhos façam aquilo que eles próprios não conseguiram fazer de suas próprias vidas – e sobre a alma dos pequenos imprimem, desde o berço, essas expectativas.
(5) O primeiro parágrafo do texto – texto que vale a pena ser lido na íntegra – é muito elucidativo: Desde os trabalhos de Cannon, percebe-se mais claramente sobre quais mecanismos psico-fisiológicos estão fundados os casos atestados em inúmeras regiões do mundo; de morte por conjuro ou enfeitiçamento: um indivíduo, consciente de ser objeto de um malefício, é intimamente persuadido, pelas mais solenes tradições de seu grupo, de que está condenado; parentes e amigos partilham desta certeza. Desde então, a comunidade se retrai: afasta-se do maldito, conduz-se a seu respeito como se fosse, não apenas já morto, mas fonte de perigo para o seu círculo; em cada ocasião e por todas as suas condutas, o corpo social sugere a morte à infeliz vítima, que não pretende mais escapar àquilo que ela considera como seu destino inelutável. Logo, aliás, celebram-se por ela os ritos sagrados que a conduzirão ao reino das sombras. Incontinenti, brutalmente privado de todos os seus. elos familiares e sociais, excluído de todas as funções e atividades pelas quais o indivíduo tomava consciência de si mesmo, depois encontrando essas forças tão imperiosas novamente conjuradas, mas somente para bani-lo do mundo dos vivos, o enfeitiçado cede à ação combinada do intenso terror que experimenta, da retirada súbita e total dos múltiplos sistemas de referência fornecidos pela conivência do grupo, enfim, à sua inversão decisiva que, de vivo, sujeito de direitos e de obrigações, o proclama morto, objeto de temores, de ritos e proibições. A integridade física não resiste à dissolução da personalidade social.
(6) À professora de ICD não pode ser atribuída, com exclusividade, a culpa pelo fracasso de meu desempenho acadêmico naquele semestre.
(7) Em sua composição mais famosa, a banda Silver Boys era integrada por Bruno Borges (baixos e vocais – por assim dizer), eu mesmo (guitarras solo e vocais – por assim dizer), Felipe Pinheiro (teclados, vocais – por assim dizer – e percussão), Fábio Borges (guitarras e vocais – por assim dizer), Raimundo (bateria).
(8) Os shows que aconteciam nos restaurantes Mister Beef e Pau e Pedra, em Belo Horizonte.
(9) Trata-se do colega de turma Raphael Luiz Corrêa de Melo.
(10) Não fugiram da memória os seguintes: Nívia Mônica da Silva, Fábio Barbieri Caetano e Thereza Cristina Dias Corteletti.
(11) Entre eles: Lucas Rolla, Eduardo Henrique Soares Machado, Tânia Regina Soares Machado, Cláudia Spränger, Mário César Motta, Marco Antônio Borges e José Ronald Vasconcelos de Albergaria.
(12) Esse fato deve ser atribuído à confiança que depositava em mim o coordenador administrativo da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude, Sérgio Bispo.
(13) Passei toda a minha infância no Conjunto IAPI, em Belo Horizonte, que disputava fronteiras com a Pedreira Prado Lopes, favela próxima ao bairro da Lagoinha.
(14) A palavra bagagem está na moda, mas não é adequada para simbolizar o verdadeiro conhecimento. O verdadeiro conhecimento não pesa nas costas e é verdadeiramente incorporado na pessoa. O conhecimento simbolizado pela bagagem é geralmente pesado, limitado, pode prejudicar a saúde, e sobretudo não faz parte do patrimônio pessoal do indivíduo, pois não está verdadeiramente incorporado a ele.
(15) Evangelho Segundo São Lucas 14:31-32.
(16) Entre eles está o inconfundível Frank Gonçalves Nery.
(17) Em latim: idem velle idem nolle.
(18) Lembro-me, especialmente, dos prof. Bruno Wanderley e Florivaldo Dutra de Araújo.
(19) Eu havia requerido a inscrição nos quadros da OAB-MG, com base em uma norma regimental que tratava dos procuradores federais já empossados na AGU. Como eu ainda não dispunha do certificado de colação de grau, meu requerimento foi indeferido. Seguiu-se um recurso de ofício para a Câmara de Julgamentos. Nesse meio tempo, fiz o exame de seleção e fui aprovado. O meu processo foi colocado em pauta por duas ou três vezes. Após ausência do relator em uma das sessões e pedidos de vista em outras, acabei comparecendo à última sessão, onde um dos conselheiros queria efetivamente uma investigação geral e irrestrita da situação de todos os procuradores federais da AGU lotados em Minas Gerais, e para tanto solicitou ao relator a expedição de uma grande variedade de ofícios – requerimento cuja implementação efetivamente deixaria o meu processo em aberto até a consumação dos séculos. Com a importantíssima ajuda do conselheiro Moacir Lobato de Campos Filho, com a presença e o apoio moral do advogado Carlos Alberto Santos Azevedo, amigo do meu pai, e após breve e emocionada sustentação oral que eu mesmo fiz, conseguimos efetivamente dissuadir o intrépido conselheiro de sua sanha persecutória, com o que eu consegui finalmente o deferimento de minha inscrição.
(20) Lembro-me com muita saudade – e, hoje, com alívio – das dificuldades que passamos na então recém-instalada agência do INSS de apoio ao Juizado Especial Federal de Belo Horizonte. Trago boas lembranças dos colegas Geraldo Magela Ribeiro de Souza (que se dispôs, com o desprendimento natural das boas almas, a aliviar, na época das provas subjetivas e orais, o pesado fardo de processos e audiências que eu então carregava), Jamerson Vieira, Marcelo Caldeira França, Sérgio Vecchio Salomon e Daniela Maria Baêta Scarpelli.
(21) Em uma das salas do concurso, o amigo e candidato Raphael Corrêa perguntou, sem rodeios, ao examinador, que na ocasião fazia uma prudente visita de inspeção nas salas: Então, professor, eu tenho uma dúvida sobre uma das questões: o que é essa tal de supressio?
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